sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Manifesto da Juventude Negra

Brasília, 25 de novembro de 2009
Representando cerca de 15 milhões dos brasileiros e brasileiras, as / os jovens negros, com idade entre 15 e 24 anos, estão no topo dos índices que revelam as desigualdades sociais e raciais do nosso país. Alvos prediletos dos grupos de extermínio e das ações violentas de alguns policiais, todos os dias, quando conseguem chegar em casa, têm motivos para comemorar. Conseguiram a façanha de vencer as estatísticas. É um sobrevivente do sistema perverso, que não mais silenciosamente, aniquila a juventude negra brasileira.
O risco de ser assassinado no Brasil é 2,6 vezes maior entre adolescentes negros do que entre brancos. Em cada grupo de dez jovens de 15 a 18 anos, assassinados no Brasil, sete são negros. A raça também representa 70% na estimativa de 800 mil crianças brasileiras sem registro civil. Entre os indicadores negativos, os negros só perdem para a população indígena na taxa de mortalidade infantil. São as / os jovens negras / os que recebem os salários mais baixos do mercado e também os primeiros a serem escolhidos na hora da demissão. No caso das jovens negras, são as que mais morrem nas clínicas de abortos clandestinos, vítimas do descaso do nosso sistema público de saúde. E essas mortes são intencionalmente esquecidas e até mesmo banalizadas, para que não sejam vistas como ações programadas.
De acordo com Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU, em sua Resolução n. 96 (I), de 11 de Dezembro de 1946, define: "Genocídio é qualquer ato mencionado e praticado com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico racial ou religioso.Dentre esses atos destacam-se: morte dos membros do grupo, lesão grave à integridade física ou mental dos membros do grupo, sujeição intencional do grupo a condições de vida que hajam de acarretar a destruição física total ou parcial, entre outros".
A população negra, desde o início do criminoso tráfico negreiro transatlântico, vem sofrendo por parte das elites brasileira, perseguição por conta de sua herança africana. E as práticas de assassinatos sistemáticos desta população, sejam eles físicos ou culturais, devem ser considerados como uma ação genocida, viabilizado por um modelo de segurança pública que se fundamenta no racismo e atua para a manutenção das desigualdades e de privilégios.

Entre as medidas atuais de extermínio programado da juventude negra, vemos a campanha a favor da redução da maioridade penal e a busca pela revisão do Estatuto da Criança e Adolescente, legislação aprovada nos anos 90 após grande mobilização da sociedade civil, e que até hoje é desrespeitada pela maioria dos agentes públicos. A consciência dos privilégios da elite branca brasileira é tamanha, que existe todo um setor conservador conspirando e usando as instâncias de poder para legitimar mais um crime coletivo. Querem sentenciar ao cárcere de seres humanos, aqueles que são, muitas vezes, mais vítimas do que algozes. Destinar a juventude negra às "penitenciárias juvenis", conhecidas como casas de recuperação, que são verdadeiros depósitos de crianças, e como não poderia deixar de ser, na sua maioria negra e pobre. A juventude negra é intencionalmente colocada pelas mídias como o fator principal da violência em nossa sociedade, mas na verdade, é a principal vitima desta sociedade racista e desigual.

Fundamentado pelo racismo, atual modelo de segurança pública, que viabiliza o processo de genocídio e atua de maneira seletiva, precisa ser completamente reformulado e é justamente por isso, que nós, sobreviventes deste sistema perverso, que fazemos parte das exceções, estamos nos organizando para enfrentar as estatísticas, formando frentes de batalhas, para mudar lógica genocida deste sistema. Ocupando espaços que historicamente decidiram que não seriam ali o nosso lugar. Assim, esse manifesto, mais um documento em favor da vida da juventude negra, visa despertar uma reflexão sobre o valor da vida humana e das práticas discriminatórias predominantes na sociedade, fortalecer, impulsionar e disseminar as discussões sobre violência e segurança pública por meio do olhar da juventude negra.
E é por isso que a juventude negra brasileira tem pressa, mas uma pressa diferente de tudo. Não é a espera de uma festa, de mais um programa ou de uma nova roupa. Tem pressa de viver. De ter a certeza que terá direito ao seu dia seguinte. De que o silêncio que impera sobre seu genocídio lento, gradual e programado será quebrado. Porque não falar sobre isso é compactuar com o modelo perverso que prevalece e nos mata, de forma intencional, cotidianamente.
Neste contexto, a Juventude Negra, reunida no Seminário ..., realizado em Brasília nos dias 24 e 25 de novembro de 2009, apresenta, na busca de reverter o quadro amplamente discutido, nossas demandas:

Criação de um órgão específico de governo para discutir e promover políticas que combatam o genocídio da juventude negra;
A criação de uma campanha nacional pela conscientização contra o genocídio da juventude negra;
A inclusão da discussão das mortes das / dos jovens negras / negros para além a Secretaria de Direitos Humanos, mas sim como pauta de Ministério de Saúde;
Uma formulação e conceitual e política de segurança pública onde polícia deixe de ser a operadora da segurança pública, mas sim, um instrumento no conjunto desta política;
Pela punição efetiva dos policiais envolvidos em milícias, grupos de extermínios e em assassinatos diretos de jovens negras/os;
Desenvolvimento de uma ação para pressionar o legislativo pela aprovação da PEC da juventude;

Assinam jovens reunidos/as no Seminário Políticas Públicas de Juventude: A favor da vida, contra o Genocídio da Juventude Negra nos dias 24 e 25/11./

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O que é bom para o Lula, é ruim para o Brasil?

Emir Sader

A mídia mercantil (melhor do que privada) tem um critério: o que for bom para o Lula, deve ser propagado como ruim para o Brasil. A reunião de mandatários sulamericanos em Bariloche – que o povo brasileiro não pôde ver, salvo pela Telesul, e teve que aceitar as versões da mídia – foi julgada não na perspectiva de um acordo de paz para a região, mas na ótica de se o Lula saiu fortalecido ou não.

O golpe militar e a ditadura em Honduras (chamados de “governo de fato”, expressão similar à de “ditabranda”) são julgados na ótica não de se ação brasileira favorece o que a comunidade internacional unanimemente pede – o retorno do presidente eleito, Mel Zelaya -, mas de saber se o governo brasileiro e Lula se fortalecem ou não. Danem-se a democracia e o povo hondurenho.

A mesma atitude têm essa mídia comercial e venal diante da possibilidade do Brasil sediar as Olimpíadas. Primeiro, tentaram ridicularizar a proposta brasileira, a audácia destes terceiromundistas de concorrer com Tóquio, com Madri, com Chicago de Obama e Michelle. Depois passaram a centrar as matérias nas supostas irregularidades que se cometeriam com os recursos, quando viram – mesmo sem destacar nos seus noticiários – que o Rio tinha passado de azarão e um dos favoritos, graças à excelente apresentação da proposta e ao apoio total do governo. Agora se preparam para, caso o Rio de Janeiro não seja escolhido, anunciar que se gastou muito dinheiro, se viajou muito, para nada. Torcem por Chicago ou outra sede qualquer, que não o Rio, porque acreditam que seria uma vitória de Lula, não do Brasil.

São pequenos, mesquinhos, só vêem pela frente as eleições do ano que vem, quando tentarão ter de novo um governo com que voltarão a ter as relações promíscuas que sempre tiveram com os governos, especialmente com os 8 anos de FHC. Não existe o Brasil, só os interesses menores, de que fazem parte as 4 famílias – Frias, Marinho, Civitas, Mesquita – que pretendem falar em nome do povo brasileiro.

O povo brasileiro vive melhor com as políticas sociais do governo Lula? Danem-se as condições de vida do povo. Interessa a popularidade que isso dá ao governo Lula e as dificuldades que representa para uma eventual vitória da oposição. A imagem do Brasil no exterior nunca foi melhor? A mídia ranzinza e agourenta não reflete isso, porque representa também a extraordinária imagem de Lula pelo mundo afora, em contraposição à de FHC, e isto é bom para o Brasil, mas ruim para a oposição.

O que querem para o Brasil? Um Estado fraco, frágil diante das investidas do capital especulativo internacional, que provocou três crises no governo FHC? Um país sem defesa ou dependente do armamento norteamericano, como ocorreu sempre? Menos gastos sociais e menos impostos para ter menos políticas sociais e menos direitos do povo atendidos? Um povo sem auto estima, envergonhado de viver em um país que eles pintam como um país fracassado, com complexo de inferioridade diante das “potências”, que provocaram a maior crise econômica mundial em 80 anos, que é superada pelos países emergentes, enquanto eles seguem na recessão?

São expressões das elites brancas, ricas, de setores da classe média alta egoísta, que odeia o povo e o Brasil e odeia Lula por isso. Adoram quem se opõem a Lula – Heloísa Helena, Marina, Micheletti -, não importa o que digam e representem. Sua obsessão é derrotar Lula nas eleições de 2010. O resto, que se dane: o povo brasileiro, o país, a situação de vida da população pobre, da imagem do país no mundo, da economia e do desenvolvimento econômico do Brasil.

O que é bom para o Lula é ruim para eles e tentam fazer passar que é ruim para o Brasil. É ruim para eles, as minorias, os 5% de rejeição do governo, mas é muito bom para os 82% de apoio ao Lula.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Projeto do Senado proíbe meia-entrada nos finais de semana e feriados


Um projeto em discussão no Senado Federal pode alterar a forma como a carteirinha de estudante é utilizada atualmente para a compra de ingressos pela metade do preço. A proposta também vale para o benefício concedido às pessoas com mais de 60 anos de idade.Entre outras coisas, o texto estabelece que a meia-entrada não valerá nos cinemas em finais de semana e feriados locais ou nacionais. Para todos os outros eventos, como peças teatrais e shows, a meia-entrada não valerá de quinta-feira a sábado, se o projeto for aprovado.O projeto também tenta coibir a emissão de carteiras de estudante falsificadas, criando um documento único, padronizado, de validade nacional: a Carteira de Identificação Estudantil. Cria ainda um Conselho Nacional de Fiscalização, Controle e Regulamentação da meia-entrada e da identidade estudantil. A proposta está pronta para ser votada pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), mas a data da votação ainda não foi definida. Se passar pelo Senado, ainda será analisada pela Câmara dos Deputados. No Senado, antes de chegar à Comissão de Educação, a matéria foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com alterações ao texto original. Na Comissão de Educação sofreu mais mudanças, após a realização de várias audiências públicas com representantes dos estudantes e dos produtores culturais. A relatora do projeto na Comissão de Educação é a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), que apresentou um substitutivo à matéria original, do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). "Chegou-se a um acordo com a UNE, Ubes, representantes da área de cinema, teatro, e eu acatei esse acordo", justifica a senadora Marisa, que incluiu a limitação dos dias em que a meia-entrada estará em vigor. A UNE (União Nacional dos Estudantes) é favorável ao documento único de identificação, mas é contra as restrições ao uso da carteirinha, como explica Lúcia Stumpf, presidente da entidade. "Esses pontos vão enfrentar a resistência da UNE, que é a favor do direito amplo e irrestrito conquistado pelos estudantes. Os senadores resolveram encaminhar dessa forma, mas vamos lutar para mudar isso."O representante dos produtores de eventos defende a medida. Para Ricardo Chantilly, diretor da Abeart (Associação Brasileira de Empresários Artísticos), se aprovado, o projeto terá como resultado uma queda nos preços dos ingressos. "No dia de maior fluxo de pessoas e que o faturamento é maior, deixa o produtor cobrar o preço normal. Aí, não tem meia nem inteira", diz. "O que vai acontecer é que, no sábado, o preço de um show pode ser R$ 45, e no domingo, o estudante paga R$ 22,50. É melhor do que o que acontece hoje, quando a gente tem que colocar o ingresso a R$ 80 com meia a R$ 40", exemplifica. Para ele, com a disseminação das carteirinhas falsificadas, os produtores foram levados a cobrar um preço maior, para evitar prejuízos. Assim, o diretor da Abeart também defende um limite na quantidade de ingressos destinados aos estudantes e idosos, como já ocorre em alguns lugares, como São Paulo - a meia-entrada é regulamentada por leis estaduais e municipais."A média hoje é de 70%, 80%, até 90% de meia-entrada nos eventos. Eu defendo uma limitação da venda de meia-entrada a 30% do total. Assim, a gente saberia que, em um evento para mil pessoas, teria 700 pagando inteira e 300 pagando meia. Seria possível uma redução de, no mínimo, 30% nos preços, porque conseguiríamos o mesmo faturamento de agora, com um ingresso mais barato", argumenta.O que garantiria a queda nos preços? Segundo Chantilly, o mercado. "Se eu fizer um show do Nelson Ned e colocar a R$ 80, não vai ninguém. Se eu colocar um show da Ivete Sangalo a R$ 300, também não vai ninguém. Uma vez por ano tem uma Madonna, que pode cobrar R$ 500, R$ 800, que lota um Maracanã. Mas quem regula os preços é o bom e velho mercado", afirma.Autor do projeto original, o senador Azeredo também diz que a expectativa é que os preços caiam. "O que se espera é que haja uma redução do preço dos ingressos; essa é informação dos produtores", afirma. Sobre a limitação dos dias de validade da meia-entrada, ele tem posição contrária. "O ideal era que pudesse valer para todos os dias, mas esse foi o acordo. O mais importante, sem dúvida, vai ser a padronização da carteira em todo o Brasil", destaca. Emissão das carteirinhas de estudanteO projeto em análise no Senado também revoga a Medida Provisória 2.208, editada em 2001, que acabou com a exclusividade das entidades estudantis na emissão da identidade estudantil. O relatório da senadora Marisa Serrano afirma que a medida "provocou descontrole na concessão desses documentos" e levou "na prática, à perda do benefício do pagamento de meia-entrada por parte dos estudantes e idosos."A presidente da UNE diz que a padronização do documento não resultará em aumento do preço de emissão. "Não deve aumentar exatamente porque não vai mais ser regido pela disputa de mercado", diz Lúcia Stumpf. "Hoje, existem até cursinhos de línguas e pré-vestibulares fantasmas, criados só para emitir a carteira", critica. A UNE cobra preços diferenciados para emissão da identidade estudantil nas diferentes regiões do país. Em São Paulo, o preço é R$ 25, no Centro-Oeste, R$ 15, e nas regiões Norte e Nordeste, a taxa varia de R$ 8 a R$ 10, segundo a presidente da entidade. Lúcia Stumpf é contrária ao sistema de cotas para a venda de meia-entrada por achar impossível a fiscalização. "Nem mesmo os produtores apresentaram uma alternativa eficiente para controlar a venda dos ingressos para estudantes. Sem isso, podem vender apenas os cinco primeiros e dizer que já venderam toda a cota", afirma.Além de defender a limitação à meia-entrada, os produtores também cobram uma compensação do governo pelo benefício concedido. "Os taxistas compram carro 30% mais barato, mas não são as empresas que arcam com isso, o desconto vem dos impostos. Nos ônibus, os idosos têm passe livre, mas as empresas recebem por isso. A gente não é o 'lobo mau' da história, o governo é que não deu a contrapartida necessária", ressalta.O ressarcimento está previsto na análise da relatora, e seria feito com recursos do Pronac (Programa Nacional de Apoio à Cultura), da Lei Rouanet.Pelo projeto do Senado, o direito à meia-entrada fica assegurado aos estudantes e às pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, em cinemas, cineclubes, teatros, espetáculos musicais, circenses, eventos educativos, esportivos, de lazer e entretenimento, em todo o território nacional, promovidos por quaisquer entidades e realizados em estabelecimentos públicos ou particulares. O benefício não é cumulativo com quaisquer outras promoções e convênios e também não se aplica ao valor dos serviços adicionais eventualmente oferecidos em camarotes, áreas e cadeiras especiais.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Segurança alimentar e biocombustíveis: um dilema?

Segurança alimentar e biocombustíveis: um dilema?
O dramático aumento dos alimentos registrado recentemente tem múltiplas causas e, no momento, os biocombustíveis provavelmente representam uma das menos influentes. Mais fundamentalmente, a crise alimentar atual está relacionada com a falta de investimentos públicos na agricultura e na segurança alimentar.
Georges Flexor
O dramático aumento dos preços dos alimentos ocorrido esses últimos dois anos tem provocado um intenso debate a respeito do papel dos biocombustíveis na crise de segurança alimentar atual. Embora todos os principais atores desse debate – sejam eles instituições globais, governos, empresas ou organização não governamentais – reconheçam a existência de múltiplas causas para explicar a abrupta elevação dos preços dos alimentos, existe certo consenso sobre o fato de que a produção de biocombustível impacta a produção de alimentos e, portanto, seus preços. Mas esse quase consenso se evapora quando se trata de avaliar e hierarquizar a responsabilidade da crescente produção de biocombustível no aumento dos preços dos alimentos. Nos parágrafos a seguir pretendo trazer algumas informações que possam nos ajudar a abordar essa relação. Começo com algumas observações acerca do comportamento recente dos preços agrícolas. Em primeiro lugar, constata-se que todas as principais commodities agrícolas sofreram uma elevação dos preços. Tomando 2004 como ano-base, estimativas do Banco Mundial estimam que os preços médios cresceram quase 80% nos últimos quatro anos no caso do milho, 56% para a soja e mais que dobraram para o trigo e o arroz. Segundo recente estudo da OCDE-FAO, esses preços permanecerão elevados durante os próximos anos, ainda que esteja prevista uma diminuição gradual a partir de 2009. Estima-se, por exemplo, que o preço médio do milho no mercado mundial voltará em 2015, após um pique em 2009, a patamares próximos daqueles observados em 2007. Essa tendência deve ser também observada no caso da soja e do trigo. No entanto, os preços médios do arroz devem permanecer elevados durante mais tempo e mesmo que se espera uma diminuição a partir da próxima década, ela deverá ser gradual e pouco significativa. Embora devam ser tomados com precaução, os dados recentes mostram que os canais de transmissão de preços entre aumento da produção de biocombustíveis e elevação dos preços agrícolas são mais complexos do que uma simples relação de causa e efeito. Se parece muito provável que a crescente produção de etanol e biodiesel impactam negativamente os preços do milho e da soja (sem esquecer a palma/dendê), seus efeitos sobre o comportamento dos preços do trigo e do arroz são bem menos óbvios. A relação direta, ainda que de difícil mensuração, entre preços do milho e produção de etanol deve-se ao fato de que uma proporção substancial da produção de milho nos Estados Unidos direcione-se doravante a produção de biocombustíveis. Segundo os estudos supracitados, cerca de 30% da oferta de milho nesse país – ou seja, cerca de 10% da produção mundial – tem sido absorvida por sua indústria de etanol, sendo em grande parte responsável pela aceleração do aumento de preços ocorrido desde 2006. Já no caso das oleaginosas como a soja, os impactos dos biocombustíveis são mais difíceis de serem avaliados e mensurados. As expectativas de aumento da demanda por biodiesel na União Europeia e em menor medida nos Estados Unidos, na Indonésia e no Brasil pressiona os preços já que o aumento estimado da produção de biodiesel nos próximos dez anos poderá representar um terço do aumento do consumo total de óleo vegetal. No entanto, cabe notar que parte significativa da produção de biodiesel deve ser realizada a partir de oleaginosas outras que a soja, tais como canola ou dendê. É, portanto, difícil relacionar diretamente o aumento dos preços da soja com a produção de biocombustível. O mais provável é que a elevação dos preços dessa oleaginosa decorra do aumento do comércio mundial puxado, principalmente, pela demanda chinesa, refletindo os efeitos gradual da redução da pobreza sobre o aumento do consumo de óleo e carnes que eleva a demanda por soja e derivados (farelo e óleo). No que tange o aumento dos preços do trigo, sua relação com a produção de biocombustível é ainda mais fina. Entre 2005 e 2007, por exemplo, o aumento da demanda por trigo e outras cereais cresceu 5%, passando de 1.622 para 1702 milhões de toneladas. Se por um lado, podemos notar que metade desse aumento está associado a produção de biocombustíveis, em particular nos Estados Unidos onde a demanda para este tipo de uso alcançou 80 milhões de toneladas em 2007. Por outro lado, a utilização de trigo e cereais para etanol continua marginal e como será vista daqui a pouco, os recentes aumentos dos preços do trigo foram provocados em grande medida por problemas conjunturais afetando a oferta e que foram amplificados pela atuação de especuladores institucionais e políticas de restrição as exportações.Para finalizar, há o caso do arroz, um alimento fundamental para grande parte da população dos países em desenvolvimento. Desde 2007, o preço do arroz tem crescido abruptamente e essa tendência se acelerou recentemente, o preço do arroz tailandês passando 365 para 562 dólares a toneladas de janeiro a março de 2008. Para os países em desenvolvimento, africano e asiático particularmente, essa elevação dos preços é trágica e pode arruinar, num curto espaço de tempo, as recentes melhorias das condições de vida constatadas nesses países. Todavia, não existe correlação linear entre aumento dos preços do arroz e produção de biocombustíveis. Com efeito, visto que a demanda por arroz por parte da indústria de etanol é virtualmente nula não se pode inferir que os biocombustíveis impactam a formação de seus preços. De maneira geral, a não ser no caso do milho, a crescente produção de biocombustível não parece afetar diretamente os preços dos principais commodities agrícolas. No entanto, há provavelmente mecanismos de transmissão de preços menos lineares. Por um lado, a crescente produção de milho direcionada à indústria de etanol nos Estados Unidos tende a pressionar as áreas de cultivos de soja ou algodão, exercendo um impacto negativo sobre a produção de oleaginosas. Em conjunto com a elevação dos preços do milho, a substituição da área de soja por milho pode contaminar o conjunto de preços das principais commodities com efeito difuso sobre a inflação agrícola recente. Por outro lado, as políticas implementadas para promover a oferta de etanol ou biodiesel podem alterar em certo grau as expectativas de preços futuros e, em ultima instância, pressionar os preços correntes. Pode-se esperar, por exemplo, que cada vez mais terras serão destinadas a produção de biocombustíveis, criando uma pressão fundiária e um aumento dos custos. Se os diversos agentes que atuam nos mercados agrícolas fossem racionais e as informações relevantes abundantes e de fácil acesso, os preços deveriam refletir as condições de oferta e demanda. O problema é que os agentes têm pouco conhecimento sobre o estado futuro da demanda e da tecnologia e, como destacou o prêmio nobel de Economia D. Kahneman, de maneira geral tomam suas decisões a partir de um conjunto restrito de informações disponíveis e representativas de certa situação. No cenário incerto da crise financeira atual, operadores com poucas opções atrativas para investir podem decidir direcionar seus recursos para comprar contratos agrícolas, criando uma pressão adicional sobre os preços correntes de commodities como milho, soja ou trigo. Com a maior integração das commodities agrícolas (milho, soja e trigo) nos circuitos financeiros, os impactos dos biocombustíveis sobre os preços agrícolas, nesse sentido, podem estar muito mais associados as emoções e sentimentos do momento do que a um cálculo racional visando maximizar a utilidade esperada. Cabe observar, no entanto, que os movimentos de capitais pouco racionais do mercado financeiro não explicam a tensão sobre os preços do arroz. De maneira geral, com a exceção do milho, o aumento dos preços agrícolas parece mais associado aos problemas de oferta do que ao crescimento da produção de biocombustíveis.Como assinalei no início deste artigo, o dramático aumento dos alimentos registrado recentemente tem múltiplas causas e, no momento, os biocombustíveis provavelmente representam uma das menos influentes. Entre outros aspectos que afetam os preços agrícolas, destaca-se, além da desvalorização da unidade de conta internacional (o dólar americano), o aumento dos preços do petróleo e seus efeitos sobre os custos dos insumos e do transporte. Os preços dos fertilizantes, por exemplo, têm se elevado rápida e consistentemente, proporcionando lucros excepcionais para as grandes multinacionais que dominam essa indústria. As políticas que visam limitar as exportações de grãos implementadas por vários países no intuito de minimizar a inflação estão também colocando “lenha na fogueira”, sobretudo num momento em que os estoques são historicamente baixos e a oferta estressada pelas secas que atingiram grandes países agrícolas em 2006/2007. Mais fundamentalmente, a crise alimentar atual está relacionada com a falta de investimentos públicos na agricultura e na segurança alimentar. Acreditar, como advogaram durante décadas os principais organismos internacionais, que os mercados resolvam corretamente os problemas de oferta e de acesso aos alimentos pode revelar-se um risco perigoso. A segurança alimentar é um bem público tanto quanto a segurança energética e militar. Sua responsabilidade, portanto, não deveria ser deixada ao livre arbítrio das negociações dos interesses privados.
Georges Flexor é professor adjunto do Instituto Multidisciplinar IM/UFRRJ e pesquisador do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura OPPA/CPDA.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Jornal do Brasil (RJ): Negro ganhará igual ao branco só daqui a mais três décadas

População negra será a maior do país ainda este ano, segundo o IpeaPor Luciana Abade de Brasília

A diferença de renda entre negros e brancos pode acabar em 32 anos se os programas de transferência de renda do governo seguirem o ritmo atual. É o que mostra estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado ontem, em Brasília, no dia em que se comemorou os 120 anos da abolição da escravatura.O problema, segundo o diretor de Cooperação e Desenvolvimento do Ipea, Mario Theodoro, é que programas como o Bolsa Família já estão no limite de inclusão.A expansão da aposentadoria rural e os aumentos do salário mínimo também são apontados pelo estudo como políticas que levaram à redução da diferença de renda entre brancos e negros nos últimos anos.Quase a metadeDe acordo com o Ipea, a renda da população negra no Brasil corresponde a 53% da renda dos brancos. Enquanto os brancos recebiam, em 2006, uma remuneração mensal de R$ 1.087, os negros recebiam R$ 578,24.Os negros continuam ocupando os postos menos privilegiados. Entre os trabalhadores sem carteira, 55,4 são negros. Eles também são maioria no serviço doméstico: 59,1%.Na agricultura, 60,3% dos trabalhadores são negros. Na construção civil, os negros correspondem a 57,9 da mão-de-obra.Maior representaçãoA população branca tem maior representação nas posições mais estruturadas. Os serviços ligados ao setor financeiro também são dominados por brancos. Dos assalariados com carteira assinada, 57,2% são brancos. Eles também correspondem a 71,7% dos empregadores.Existem hoje no Brasil 4,5 milhões de negros desempregados. É quase um milhão a mais do que os brancos, 3,7 milhões.Os negros ocupados correspondem a 60,4% dos que ganham até um salário mínimo e a somente 21,7% dos que ganham mais de 10 salários mínimos. Entre os ocupados brancos, esses percentuais equivalem a 39% e 76,2% respectivamente.Esses números, segundo o diretor do Ipea, demonstram a ausência do Estado e a negação de que a questão racial é um problema social.- A população branca ainda tem mais acesso às políticas públicas do governo do que os negros ? garante Theodoro.Na sua opinião, serão necessárias outras políticas públicas, como a melhoria da educação pública e o sistema de cotas, para sanar a diferença de renda.EducaçãoTheodoro defende o sistema de cotas nas universidades como maneira de equalizar, também, as oportunidades de educação. Ressalta, no entanto, que o sistema deve ser temporário.- Se as cotas forem eternas, vamos admitir eternamente a desigualdade - explicou.
Segundo o diretor, o sistema de cotas é assumido pela comunidade acadêmica porque ainda não é uma política de governo.- As cotas não são suficientemente capazes de acabar com as diferenças, mas vai propiciar a ascensão de muitos negros à classe média, porque é a educação que dá acesso aos melhores postos de trabalho no Brasil. Precisamos colorir a elite desse país - defende.Em 1976, 5% da população branca tinham diploma de educação superior aos 30 anos. Os negros da mesma faixa etária só atingiram o mesmo percentual em 2006.Em 1976, a população brasileira era constituída por 57,2% de brancos e 40,1% de negros. Já em 2006, a população negra correspondia a 49,5% da população do país.O Ipea estima que a população negra vai se igualar em número à branca ainda em 2008 e será maior em 2010. Isso vai ocorrer porque campanhas de valorização têm levado as pessoas a se auto-denominarem negras ou pardas. A taxa de fecundidade das mulheres negras também influencia.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Raposa Serra do Sol: Um lugar de direito

Por Marina Silva*
É muito especial para mim estrear no território dos internautas, por meio deTerra Magazine, a quem agradeçopela oportunidade. Espero dedicá-la a um bom diálogo com as críticas eidéias de todos vocês. Também é especialpor acontecer num momento novo, no Brasil e no mundo, que exige conhecimento,sensibilidade e intuição paraidentificar, na massa impressionante de informações que nos chega, aprofundidade dos fatos e processos, aconexão entre passado e futuro, enfim, o nosso espaço de escolhas reais,sejam individuais ou coletivas.Faz parte desse espaço uma interpelação ética da qual não podem fugir nemos países desenvolvidos nem os emdesenvolvimento, entre eles o Brasil. A Amazônia, com sua incomparávelfloresta tropical, sua biodiversidade esua diversidade social, talvez seja o maior símbolo dessa interpelação. Paraos países desenvolvidos, apergunta que se faz é sobre seu passado. Destruíram sua biodiversidade,arrasaram os povos originários doslugares conquistados e provocaram, a partir da revolução industrial,alterações ambientais tão extensas quelevaram à atual crise ambiental global, em cujo centro estão as mudançasclimáticas.Embora pareça paradoxal, nossa situação é bem melhor porque somosquestionados sobre o futuro. Quando somosperguntados sobre o passado, estamos diante do quase irremediável. Sobre ofuturo, temos a chance deprojetá-lo. Isso implica dizer o que vamos fazer com nossa biodiversidade,porque temos 20% das espécies vivasdo planeta; com nossos recursos hídricos, porque temos 11% da água docedisponível, 80% dos quais na Amazônia;com a maior floresta tropical e com a maior diversidade cultural do mundo. OBrasil ainda tem cerca de 220povos indígenas que falam mais de 200 línguas.Essa é uma poderosa interpelação porque permite escolhas e, portanto, exigeque estejamos à altura daoportunidade de optar. A discussão é de caráter civilizatório, não seesgota em circunstâncias ou polêmicaspontuais. O Brasil é uma potência ambiental e humana e não pode se conformarem querer, séculos depois, a mesmatrajetória que fez dos países desenvolvidos, ricos, porém com gravesdesequilíbrios ambientais. Nossa meta deveser: desenvolvidos, porém por meio de caminhos diferentes.A diferença está, em primeiro lugar, em aceitar a interpelação ética a queme referi, sem tentar lhe darrespostas banais e evasivas. A falsa polêmica em torno da demarcação dareserva indígena Raposa Serra do Sol,em Roraima, resume a radicalidade exigida por essa interpelação.Como ministra do Meio Ambiente enfrentei, ao lado dos ministérios da Justiçae do Desenvolvimento Agrário, umasituação no Pará em que um grande grileiro apossou-se de 5 milhões dehectares na Terra do Meio. Conseguimoscriar nessa área a maior estação ecológica do país, com 3 milhões e 800mil hectares. Vi a Polícia Federalimplodir 86 pistas clandestinas usadas para tráfico de drogas e roubo demadeira. E nunca ninguém disse queaquele grileiro era ameaça à soberania nacional. Mas os 18 mil índios deRoraima são assim considerados poralguns e muitas vezes tratados como se fossem mais estrangeiros do que osestrangeiros, porque sequer sãoreconhecidos como seres humanos em pé de igualdade com os demais.Um exemplo: o mundo ocidental tem em Jerusalém um ponto de referência dosagrado para inúmeras religiões dematriz judaico-cristã . Ficaríamos chocados se alguém quisesse destruí-la ea defenderíamos como algo que éconstituinte essencial de nossa cosmovisão. No entanto, em relação àcosmovisão dos índios, acha-se poucorelevante considerarem o Monte Roraima o lugar da origem do mundo.Pode parecer, para quem acompanha o caso de Raposa Serra do Sol, que acriação da reserva indígena foi umprocedimento autoritário e injusto, que desconsiderou direitos dosnão-índios. Não é verdade. A legislaçãobrasileira define detalhadamente critérios para demarcação. O contraditórioé garantido por decreto, exigindoque sejam anexados, ouvidos e examinados os argumentos contrários.Manifestam-se proprietários de terra,grileiros, associações, sindicatos de trabalhadores ou patronais,prefeituras, órgãos públicos estaduais efederais, apresentando tudo o que considerem relevante. Por isso, ademarcação física das áreas leva, em geral,muitos anos, o que elimina quaisquer possibilidades de açodamento.Roraima tem cerca de 400 mil habitantes num território de cerca de 225 milquilômetros quadrados. A populaçãorural não chega a 90 mil pessoas, das quais 46 mil são indígenas, ou seja,52% do total, ocupando 47% dasterras. Raposa Serra do Sol ocupa 7,7% da área do Estado e abriga 18 milíndios. Por outro lado, seisrizicultores ocupam 14 mil hectares em terras da União. Em maio último, oIbama autuou a fazenda Depósito, doprefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, por ter aterrado duas lagoas enascentes, além de margens derios, e por ter desmatado áreas destinadas à preservação permanente e àreserva natural legal.Em 1992, quando foi homologada a reserva Ianomami, seis vezes maior do que aRaposa Serra do Sol, houve muitoestardalhaço, alimentado pela acusação de que isso representaria ameaça àsoberania nacional e grave risco deinternacionalização da Amazônia. Passados 16 anos, a reserva abriga 15 milíndios em área de fronteira e não setem notícia de que tenham causado qualquer dano à nossa soberania e muitomenos que pretendam ser uma "naçãoindígena" separada do território brasileiro, como diziam à época osopositores da homologação.Estamos perto da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a demarcaçãocontínua de Raposa Serra do Sol. Seráum grande desafio para a instituição e para todo o País, num momento que omestre Boaventura de Souza Santoschama de bifurcação histórica. Diz ele que as decisões do STFcondicionarão decisivamente o futuro do país,para o bem ou para o mal. Que esta decisão seja parte da resposta que devemosdar à interpelação ética sobrenosso futuro.* Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acree ex ministra do Meio Ambiente.marina.silva08@ terra.com. br

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Fora Meirelles, juros altos e inflação

CMS, MOBILIZAÇÃO 19 DE JUNHO
No BC, CUT e movimentos sociais condenam juros altos e defendem fortalecimento da produção contra a especulação
Cerca de dois mil manifestantes deram brilho ao ato "Menos juros, mais desenvolvimento" , realizado na manhã desta quinta-feira, em frente ao Banco Central, em Brasília, tomado por forte esquema de segurança.
O ato convocado pela Central Única dos Trabalhadores e pela Coordenação dos Movimentos Sociais reuniu delegações de 17 Estados, além do Distrito Federal, e foi aberto por um representante do Sindicato dos Servidores Públicos do DF, integrante da Delegacia Sindical no BC. Faixas, balões e cartazes da CUT, da CMS e das entidades populares coloriram a Esplanada, com os estudantes cobrindo as proximidades e a parte detrás do BC com grafites "Fora Meirelles" e exigindo mais recursos para o desenvolvimento nacional.
O presidente nacional da CUT, Artur Henrique, afirmou durante o ato que a elevação da taxa básica de juros é um erro e atenta contra as possibilidades de crescimento econômico sustentado e contra a ampliação de direitos dos trabalhadores. Lembrando também que no momento em que a manifestação acontecia, o presidente Lula e seus ministros estavam reunidos para discutir medidas contra a inflação, Artur defendeu a diminuição das taxas básicas de juros e do superávit primário, ao contrário do que afirmam setores do governo e da imprensa. "Os gastos públicos com saúde, educação e segurança precisam aumentar, e não diminuir", disse.
O presidente da CUT também insistiu que parcela significativa das pressões inflacionárias se devem à especulação praticada pelo empresariado. "Contando com perspectiva de inflação futura, empresários aproveitam para aumentar preços ao consumidor e, assim, ameaçam mesmo a estabilidade econômica, pensando apenas nos seus próprios umbigos e nos lucros. Enquanto isso, ficam de maneira hipócrita e dissimulada defendendo corte nos investimentos públicos", atacou Artur.