quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Acontece em São Paulo a I Conferência Municipal de Juventude

Cerca de mil pessoas, a maioria jovens entre 15 e 29 anos, participaram da I Conferência Municipal de Juventude, no dia 23 de fevereiro, na Universidade Ibirapuera (Av. Interlagos, 1329).

A Conferência faz parte de um processo de construção de políticas públicas de juventude no Brasil, e as discussões e contribuições da Conferência municipal (assim como da Estadual) serão levadas para a I Conferência Nacional de Juventude, que acontece em abril. A intenção da Conferência Municipal era abrir um espaço para que os jovens debatessem as principais prioridades e propostas de políticas para as juventudes da cidade de São Paulo.

Os participantes dividiram-se em grupos temáticos para refletir problemas, prioridades e propostas de políticas. Os temas propostos eram:
Acesso á Cidade e Cultura
Deficiências e mobilidade reduzida
Direitos humanos
Diversidade sexual
Educação
Esporte e lazer
Família, assistência social e violências
Gênero
Meio ambiente
Relações raciais e étnicas
Saúde
Trabalho e renda
A Pastoral da Juventude acompanhou o processo de organização da Conferência e participou do evento pautando questões importantes para os/as jovens nos diversos grupos temáticos e sugerindo e elegendo prioridades para as políticas de juventude.

Além disso, a PJ elegeu delegados e suplentes para a Conferência Estadual e suplente para a Conferência Nacional e continua acompanhando o processo das Conferências.

I Conferência Nacional

A Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude abre um espaço para que jovens (e adultos que militam na causa da juventude) de todo o Brasil se reúnam para discutir a realidade juvenil, definir prioridades e propor ações e programas a serem desenvolvidos pelo poder público.

Por isso, é uma ocasião importante para colocar na agenda nacional as políticas públicas para a juventude, de forma democrática, fortalecendo o debate público sobre a questão. O processo deve ser participativo e o jovem precisa marcar presença. A Conferência é um espaço de diálogo entre sociedade civil e o poder público.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Projeto quer reduzir barreiras ao 1º emprego

Estímulo
Empregadores teriam redução de 70% do valor de PIS e Cofins, entre outras

THIAGO VILARINS
Da Sucursal

Mais um projeto promete diminuir os obstáculos para se conseguir o primeiro emprego. No entanto, o Projeto de Lei 2117/07, que começa a ser analisado pela Câmara dos Deputados, tem despertado a atenção de empresários pelos reais incentivos fiscais que são propostos. Como forma de estímulo, o projeto concede aos contratantes, pelo prazo de um ano, redução de 3% da alíquota da contribuição para o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS); e redução de 70% do valor das alíquotas das contribuições sociais (PIS e Cofins).

Na outra ponta, entre os que esperam a oportunidade de se livrar do ócio e das dificuldades da desocupação, o projeto tem chamado a atenção por não visar apenas o jovem da faixa etária entre os 16 e 24 anos, como proposto no fracassado Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE) do governo federal. De acordo com o autor da matéria, o deputado Filipe Pereira (PSC-RJ), a preocupação é estimular o primeiro contrato, sem considerar a idade do desempregado.

"Não é uma preocupação apenas com a classe jovem do nosso País, e sim com a classe desempregada. Apesar de aumentar o número de pessoas com carteira assinada, cada vez mais cresce o número de desempregados, porque enquanto uma classe emprega, cresce uma outra classe que ingressa no mercado sem o trabalho", ressaltou.

Em entrevista ao O Liberal, Filipe Pereira – um dos mais jovens parlamentares do Congresso, com apenas 24 anos – detalha o seu novo projeto para o primeiro emprego. Preocupado para que nas falhas do PNPE não se repitam, ele comenta sobre a costura feita no projeto para que dessa vez os empregadores se sintam realmente interessados em aderir à iniciativa. Além disso, fala sobre a tramitação da matéria e as expectativas de aprovação. Confira a entrevista:

O que o seu projeto de incentivo ao primeiro emprego tem de diferente da proposta não bem sucedida do governo federal – o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE)?
Primordialmente a gente tem que ver o lado de como era o projeto que existia do Governo Federal. O processo além de ser muito burocratizado, ele não repassava incentivos que fossem vistos com bons olhos pelos empregadores. Por exemplo, o projeto dependia que o governo fizesse um convênio com a empresa, para que aquela empresa cadastrada, somente ela, ofertasse essas vagas, criando com isso uma dificuldade que era ruim para as próprias empresas. Qual empresa gostaria de realmente abrir, de bom grado, apenas para ter um convênio com o governo federal, vagas da sua empresa para contratar pessoas que não tem nem sequer uma experiência? Hoje o mercado de trabalho está muito complicado por causa disso e nossos jovens vêm sofrendo com essa discriminação. Eles precisam do primeiro emprego, mas de pronto não conseguem o primeiro emprego porque não tem experiência. Então essa dificuldade criada pelo antigo projeto que governo extinguiu no final do ano passado é que criava essa burocratização muito grande para que as empresas formassem um convênio para que recebessem o repasse pelo número de jovens que estivessem trabalhando.

Então é o fim da burocracia o principal diferencial?
Eu tive uma reunião com diversos pequenos empresários e micro-empresários, que são os maiores responsáveis por essa mão-de-obra do primeiro emprego. São pessoas do meu relacionamento, porque eu também sou do ramo empresarial, e eles colocaram essas dificuldades. ‘Poxa, a gente precisa de um convênio, precisa receber a documentação da pessoa que está sendo candidato e mandar para o governo para ele ver se aceita. Depois disso, aguardar uma resposta positiva ou negativa, ou até mesmo nenhuma resposta’. Então essa dificuldade é muito grande. Acho que a maior diferença desse nosso projeto é realmente desburocratizar essa questão da contratação do primeiro emprego, a primeira mão-de-obra.

Ao contrário do PNPE, o seu projeto não limita a idade. A proposta abrange os cidadãos que nunca tiveram a carteira assinada. Por que essa preocupação?
Eu já ia colocar isso como outro diferencial. Porque hoje a mão-de-obra que está ansiosa pelo seu primeiro emprego não é somente o jovem, caracterizado até no projeto do governo, que se não me falha a memória pegava dos 16 aos 24 anos. Então, um pouco defasado para a realidade que estamos vivendo hoje. Por exemplo, donas de casa que tiveram os seus filhos com 15 anos, que tiveram uma gravidez prematura, só podem começar a ingressar no mercado de trabalho após o seu filho já estar estudando, após ele já estar encaminhado em uma escola. Tenho recebido muitas ligações no meu gabinete de pessoas com 30 anos, 28 anos que nunca trabalharam e sentem dificuldade de oportunidade do primeiro emprego. É muito complicada essa realidade que nós vivemos hoje. Não digo só das mulheres, dos homens também, que muitas vezes prestam o serviço obrigatório militar, saem de lá sem nenhuma preparação, ficam um tempo desempregado, vence esse prazo dessa idade que era incluído no projeto do governo, e ficam a mercê da sociedade, sem ter essas oportunidades.

Então ela não se restringe a inserção do jovem no mercado de trabalho, ela trata diretamente a questão social do desemprego?
Exatamente. Você colocou bem como uma questão social, justamente por não ser uma preocupação apenas com a classe jovem do nosso País, e sim com a classe desempregada que hoje é a realidade que nós temos assistido. Apesar de aumentar o número de pessoas com carteira assinada, cada vez mais cresce o número de desempregados, porque enquanto uma classe emprega, cresce uma outra classe que ingressa no mercado sem o trabalho.

Quais os incentivos fiscais propostos para atrair a adesão dos empregadores?
Um dos principais itens é uma redução de 3% da alíquota de contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e essa redução seria em cima desses contratados ao primeiro emprego. Nós teríamos também uma redução de 70% do valor das alíquotas de contribuições sociais destinadas ao INSS. Esse benefício para a empresa seria durante um ano, ou seja, sobre o primeiro ano em que esses jovens receberiam essa oportunidade de desempenhar o primeiro emprego.

Qual a expectativa de aprovação desse projeto?
Esse projeto, inclusive, está apensado a outros mais antigos que tratam do mesmo teor, de 2003 até. Essa é uma questão regimental, mas a nossa expectativa é de que esse projeto venha a ser discutido, debatido e que, se possível for – estamos aqui em uma casa democrática, vamos estudar todos os projetos que estão apensados e com certeza, juntando os pontos positivos de todos eles –, criar uma proposta que não seja o meu projeto, mas de benefício para o País, para a sociedade.

Mas qual a situação desse projeto hoje?
As comissões começam a trabalhar agora. Ele vai agora para a Comissão de Trabalho, apensado ao projeto 765/03 que é do deputado Almir Moura, também do Rio de Janeiro. Depois ele passa pela de Finanças e, por fim, pela de Constituição e Justiça (CCJ). Nós estamos fazendo o possível para acelerar esse processo, articulando nas comissões, pedindo até mesmo aos relatores que dêem parecer o mais rápido possível. É lógico, pedindo prioridade, já que o nosso projeto abrange necessidades tanto do desempregado quanto do empregador.

O senhor acredita que, aprovado esse projeto, as dificuldades do primeiro emprego estarão resolvidas ou serão necessárias ainda outras ações paralelas?
O mercado de trabalho está muito escasso. Há poucas oportunidades e alternativas. Aliado a isso nós temos uma preocupação com a preparação dessa nossa juventude. Mas não só dos jovens, como também das pessoas na sua meia idade que querem se reciclar. Por exemplo, existiam antigamente datilógrafos, hoje se eles não tiverem curso de atualização em digitação, não arranjam emprego em lugar nenhum. Eles, então, acabam deslocados do mercado de trabalho. A nossa preocupação é com a educação, principalmente, para que levemos à população o que ela realmente tem direito estabelecido na nossa Constituição: o acesso à educação de qualidade e uma educação que dê a ela uma preparação para que ela possa ter no futuro uma porta de oportunidades na vida.

Temos 800 mil jovens analfabetos :: Frei Betto

O Globo – 23/2
O relatório da Unesco, "Educação para todos em 2015: alcançaremos a meta?", divulgado no fim de 2007, revela que o Brasil perdeu quatro pontos no ranking da educação, passando da 72ª posição para a 76ª. Ficou atrás da Bolívia, do Paraguai e do Equador. O relatório aponta o Bolsa Família como fator de melhoria da escolaridade dos mais pobres.

O programa "Educação para Todos", que desde 2000 avalia 129 países, tem por metas expandir e melhorar a educação infantil; fazer com que todas as crianças tenham acesso ao ensino público até 2015; favorecer o acesso de jovens e adultos à formação profissional; aumentar em 50% o nível de alfabetização de adultos (são 34 milhões os analfabetos, hoje, na América Latina); reduzir as desigualdades educacionais entre os sexos; e melhorar a qualidade da educação.

Calcula-se que, no Brasil, a educação de qualidade exija do poder público, sobretudo do governo federal, investimentos no valor de R$19 bilhões para aumentar o número de professores e sua qualificação profissional, bem como promover uma efetiva campanha nacional de alfabetização, prometida pelo governo Lula em 2003.

Há, entretanto, boas notícias da educação no Brasil: o Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ) revela que, entre 2003 e 2007, o analfabetismo entre jovens de 15 a 24 anos caiu de 4,2% para 2,4%. Em dez estados é menos de 1%.

Podemos comemorar o fato de 97,4% das crianças entre 7 e 14 anos serem atendidas pelo sistema público de ensino. Mas quando olhamos para a população de jovens entre 15 e 17 anos, vemos que um percentual menor (82%) está na escola. Além disso, em 2005, apenas 56,2% dos jovens de 16 anos haviam concluído o ensino fundamental, e este é condição essencial para o ingresso no ensino médio.

Entre jovens de 15 a 24 anos, o número dos que se encontram matriculados no ensino fundamental caiu, entre 2003 e 2007, de 17,7% para 12,5%, o que é também boa notícia. E aumentou o percentual dos que estão nos cursos médio e superior. Mas é preciso estar alerta. Há no país 800 mil jovens analfabetos. Os índices de analfabetismo são maiores em estados como Alagoas (8,2%), Piauí (7%) e Maranhão (6,6%).

Muitos abandonam a escola para ingressar no mercado (informal) de trabalho, induzidos pela necessidade de contribuir para o aumento da renda familiar. Registros de 2005 (Dieese) mostram que 5.451.439 crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, estavam trabalhando no Brasil: 305.281 crianças de 5 a 9 anos; 2.633.045 de 10 a 15; e 2.513.113 de 16 a 17 anos.

O Nordeste fica em primeiro lugar no topo da lista. A justificativa da maioria dos pais é que a família não possui renda suficiente e, por isso, é obrigada a recorrer à ajuda dos filhos menores de idade para garantir o sustento diário.

De acordo com o "Compromisso Todos Pela Educação" - iniciativa de líderes da sociedade civil e entidades educacionais -, em 2005, ao final da 4ª série do ensino fundamental, apenas 29,1% das crianças tinham aprendido o que era esperado para esse estágio escolar em língua portuguesa. Na 8ª série do ensino fundamental, esse percentual caía para 19,4%; e no 3º ano do ensino médio, 22,2%.

Se melhoramos na quantidade, pioramos na qualidade. Há alunos da 8ª série que não sabem localizar no mapa a França e o Japão; lêem um conto de Machado de Assis sem entender; escrevem um simples bilhete com graves erros de sintaxe e concordância.

Muitas famílias consideram a educação um favor e não um direito. Assim, deixam de pressionar o poder público quanto ao aumento de vagas e de qualidade nas escolas. Aceitam o clientelismo político, abrindo mão da democracia participativa.

Se queremos educação de qualidade, as famílias devem se organizar - em igrejas, sindicatos, associações etc. - para avaliar as escolas da região e pressionar os responsáveis pela educação, para que haja melhorias. E, sem deixar de exigir que o poder público cumpra seu papel, cabe à sociedade civil tomar iniciativas capazes de suprir carências educacionais, como a organização de creches comunitárias e cursos de alfabetização.

O direito à educação será tão mais efetivo quanto melhor for o sistema de ensino. Por isso, o "Todos Pela Educação" defende que todas as crianças e jovens estejam na escola; todos sejam alfabetizados até os oito anos de idade; aprendam o que é adequado a cada etapa de ensino; e concluam a educação básica até os 19 anos. O "Compromisso Todos Pela Educação" pretende que esses objetivos sejam efetivados até 2022 - bicentenário da Independência do Brasil.

FREI BETTO é escritor.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

domingo, 24 de fevereiro de 2008

As Políticas de Juventude: comparações e diferenças

Gabriel Medina
Finalmente, percebe-se um enorme avanço na discussão de juventude do país, organizações não governamentais, movimentos sociais e universidades têm formulado pesquisas, elaborado seminários e defendido o desenvolvimento de políticas públicas no campo da juventude, faixa etária definida entre os 15 e os 29 anos.
Entretanto, cabe diferenciar esforços empreendidos pelos governos, suas distintas orientações e realizações concretas nesta área. Embora a pauta da juventude tenha aparecido com maior força na década de 90 a partir do avanço do neoliberalismo e da crise do emprego formal que atacaram a juventude acentuadamente, respostas efetivas por parte do Estado só apareceram a partir de 2001, com a vitória do governo democrático e popular do presidente Lula.
Foi no governo Lula que se realizaram as Conferências de Juventude (etapas estaduais e nacional), processo de participação popular que convocou a juventude brasileira a pensar e atuar enquanto sujeitos ativos na construção de suas trajetórias de vida e de seu país e que este ano irá para sua 3 edição. Neste governo também, foram criadas a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de Juventude, ou seja, efetivou-se o espaço institucional para responder a formulação e execução de programas e políticas específicas com controle social e participação democrática.
Programas fragmentados e pontuais, criados na gestão FHC passaram a ser gerenciados e integrados a mais 17 programas específicos com investimento de aproximadamente 1 bilhão de reais ao ano e que partem de uma concepção diferenciada: considerar o jovem como sujeito de direitos e não mais um problema a ser enfrentado pelo Estado com repressão e controle.
Em 2007 o Governo Federal lançou a ampliação de recursos para as PPJ´s . Até 2010, irá oferecer, 4,2 milhões de vagas para atender aos jovens que tenham entre 15 e 29 anos e que vivam em situação de vulnerabilidade social no programa Pró-Jovem.
Somente na educação, nove universidades públicas foram criadas e mais seis expandidas pelo governo de um ex-metalúrgico, enquanto na era FHC nenhuma. Época, aliás, marcada pela expansão desenfreada das Universidades particulares sem nenhuma regulamentação. Mais uma ação importante foi à aprovação do FUNDEB que representa uma injeção de recursos e que tem contribuído para significativas melhoras no campo da educação básica, só em Araraquara esses recursos somaram R$ 16 milhões em 2007 e para 2008 serão mais R$ 21 milhões.
Portanto, a elaboração e a efetivação das PPJ´s, embora não seja um mérito apenas deste governo, e é necessário que possamos fazer críticas e avaliações consistentes desta gestão , tem sim grande participação do governo Lula e de militantes históricos do partido dos trabalhadores, que seja na Universidade, na militância estudantil ou no cotidiano dos movimentos sociais (moradia, saúde, educação) lutaram desde a redemocratização do país até os dias de hoje por justiça social e ampliação de direitos sociais.
Por fim, é preciso reconhecer que as ações no campo da juventude ainda se constituem como políticas de governo, já que podem ser consideradas inovadoras, mas a juventude brasileira espera que próximos governos possam dar continuidade às ações já iniciadas por este, e parem de investir no aumento do aparato policial e construção de presídios juvenis (Fundação Casa, antiga FEBEM), como respostas fáceis a problemas sociais complexos e históricos de uma país rico, mas tão desigual e injusto.

Estudantes do ProJovem terminam ensino fundamental

Entrega de diplomas aconteceu na sexta-feira, 13/07, com mais de 500 jovens
Quinhentos e treze estudantes do Programa Pro-Jovem receberam o diploma de ensino fundamental e de formação profissional em várias áreas específicas, nesta sexta-feira, 13, no ginásio do Serviço Social do Comércio. Por doze meses, eles puderam estudar as disciplinas da educação formal e se especializaram numa das 21 atividades profissionais disponíveis pela Prefeitura de Rio Branco, com o apoio do Governo Federal.
“É um momento muito importante, porque vemos que estes jovens que antes estavam fora da escola, agora, concluem mais uma etapa de suas vidas, e aprendendo uma profissão”, disse o prefeito de Rio Branco, Raimundo Angelim.Para se enquadrar no Pro-Jovem, o beneficiário tem que ter concluído a 4ª série do ensino fundamental, não ter cursado a 8ª série, ter entre 18 e 24 anos, estar fora da escola e nem possuir vínculo empregatício. As atividades profissionais que ele pode aprender vão desde turismo e hotelaria à construção e reparos diversos, alimentação e saúde.
Maria Aparecida Gonçalves, de 20 anos, optou pelo empreendedorismo. Quer montar o seu próprio negócio agora. “Mas não vou deixar de estudar. A partir de agora é bola pra frente de novo, partindo para conquistar o ensino médio, e depois a faculdade”, afirma. Enquanto duraram as aulas, o Governo Federal pagou uma bolsa de R$ 100,00 mensais para cada um dos estudantes e merenda escolar no valor per capita de R$ 0,50. O governo arcou também com os salários dos professores contratados, um total de menos 75, sendo 15 qualificadores, oito assistentes sociais e oito coordenadores.A contrapartida da Prefeitura de Rio Branco foi a de organizar o espaço físico para o desenvolvimento de todas as atividades, que foi adequado para a instalação de laboratórios de informática e no fornecimento de material de consumo e insumos, os livros e equipamentos de multimídia para as Estações da Juventude, como são chamados os grandes núcleos de alunos.
Além do prefeito Angelim, participaram da solenidade, o coordenador Municipal de Juventude, Gabriel Forneck, o secretário Municipal de Educação, Moacir Fecury, a secretária Estadual de Educação, Maria Correa e a coordenadora do Pro-Jovem em Rio Branco, Lídia Mota Diógenes. O Pro-Jovem é considerado um programa estratégico para a Presidência da República e coincide com as políticas públicas empregadas pelo Município, em favor dos jovens, desde janeiro de 2005, com a posse de Raimundo Angelim.

Pesquisa juventude e integração sul-americana

O que querem e o que pensam os(as) jovens que participam de organizações e movimentos juvenis na América do Sul? A pergunta orientou a pesquisa qualitativa “Juventude e Integração Sul-Americana”, coordenada pelo Ibase e Pólis, que ouviu, ao longo de 2007, 960 jovens e especialistas em juventude em seis países da América do Sul: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia. No Brasil, o trabalho será apresentado oficialmente no próximo dia 18 de fevereiro, em Brasília, às 10:30, no anexo 2 do Palácio do Planalto, durante a posse do novo Conselho Nacional de Juventude (que reúne 60 representantes do poder público e movimentos sociais).
Por meio de grupos de discussão e entrevistas, os(as) pesquisadores(as) ouviram desde cortadores de cana (Brasil), passando por integrantes de movimentos hip-hop e estudantis até jovens empregadas domésticas (Bolívia). Foram identificadas seis demandas principais, sendo que educação de qualidade (com ênfase na formação profissional), seguida por trabalho decente, é a principal. Há ainda: ecologia, cultura, segurança e transporte (esta última foco das maiores mobilizações recentes de jovens na América do Sul).
O objetivo do trabalho – que tem o apoio do International Development Research Centre (IDRC, do Canadá) e foi executado por instituições locais de pesquisa – é levantar subsídios para a criação e aperfeiçoamento de políticas públicas voltadas para os jovens, especialmente no âmbito do Mercosul (que desde 2006 possui uma instância específica para a formulação de políticas para este segmento). Também foram elaboradas recomendações aos órgãos governamentais que lidam com políticas para a juventude nos países pesquisados.
Leia mais em: http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=2210

A crise de participação política da juventude

Enviado à Tribuna 20/02
Gabriel Medina
A reportagem da Tribuna do dia 17/02, que apresentou o debate das juventudes partidárias, aponta para uma semelhança de avaliação entre a juventude do PSOL e a JPT, na qual, ambas, acreditam no desencantamento dos jovens com a política.
Apenas para esclarecer, a avaliação da JPT, se diferencia e muito, dos partidos ditos mais à esquerda que o PT, que atribuem o desencantamento com a política às crises do governo Lula. Uma análise consistente da falta de interesse político da juventude deve entender os fenômenos sociais, culturais, políticos e econômicos da história brasileira.
Para tanto, é necessário reconhecer que a corrupção não é privilégio das instituições políticas, mas se consolida como uma prática cotidiana nas instituições públicas e privadas brasileiras, há muitos anos, ou melhor, há séculos.
O clientelismo, o nepotismo, o paternalismo são praticas enraizadas dentro e fora do aparelho do Estado, mas são somente condenadas quando expressas na política partidária, como se a representação social fugisse da expressão cotidiana dos valores e das praticas da sociedade como um todo.
A confusão do público e do privado, presente no processo político eleitoral, que depende de financiamento de empresas e empresários para alavancar campanhas ou para desenvolver projetos mistos (PPP´s), é sem dúvida, um dos grandes problemas da política.
Portanto, para os desavisados, o PT não trouxe a corrupção para o Brasil, ela está enraizada na cultura social e será preciso muito esforço dos governantes e da sociedade civil organizada para combatê-la. E isso, só será possível com uma ampla reforma política (e não somente eleitoral) e com a democratização dos veículos de comunicação.
Foi no Governo Lula, que distintos espaços de participação cidadã foram criados, Conferências dos Negros, Mulheres, Cidades, Meio-Ambiente e mais recentemente, a da Juventude, que tem estimulado jovens de distintas regiões do Brasil a pensar propostas, ações e lutas que possam melhorar suas vidas e assim construir alicerces de uma sociedade mais justa e sem preconceitos. Exemplos estão sendo dados pela administração municipal, que além de desenvolver uma série de políticas específicas aos jovens, como as oficinas culturais, entre outras, garantiu espaços coletivos de elaboração e execução de políticas de juventude. Como foi visto na Conferência Municipal da Juventude e na consolidação do Conselho Municipal da Juventude, conquistas da juventude de Araraquara.
A democracia brasileira é muito nova e imperfeita, mas é preciso reconhecer que avanços significativos foram dados da ditadura para cá. A democracia representativa precisa ser aperfeiçoada com a intensificação de mecanismos de democracia participativa, para que aos poucos as pessoas deixem de ser descrentes e passivas e se transformem em sujeitos históricos, comprometidos com a mudança da cultura política atual.
Só com a participação desta e de novas gerações, será possível romper com a defesa de interesses individuais e privados e transformar o espaço político em uma esfera pública, pautada na ética, no respeito e na solidariedade.

A morte sem fim de Jango

-Revista Aventuras na Historia, numero 56, de Fev. de 2008
Depois de 31 anos da morte do ex-presidente no exílio, uma nova série de fatos renova as suspeitas de que ele teria sido vítima de uma conspiração militar. Documentos inéditos aos quais História teve acesso mostram como Jango era vigiado durante a ditadura. Além disso, as afirmações de que ele foi envenenado pela Operação Condor, feitas por um ex-agente do serviço secreto uruguaio, reabrem as discussões sobre a causa mortis registrada no atestado de óbito: "enfermedad" .Aquele abafado domingo, 5 de dezembro de 1976, foi exaustivo para João Belchior Marques Goulart. Ele e a mulher, Maria Thereza, saíram no início da manhã de sua fazenda, a El Rincón, em Tacuarembó, no Uruguai, com destino a outra propriedade da família, a estância La Villa, em Mercedes, na Argentina. A viagem, de 600 quilômetros, começou a bordo do avião Cessna do casal. A primeira parada foi Bella Unión, na fronteira com a Argentina. De lá, eles cruzaram o rio Uruguai até Monte Caseros numa lancha de aluguel. Chegaram à cidade por volta das 10h30 e foram de carro, um Opel alemão, até Paso de los Libres. João dirigia, mas não parecia bem. "Olhei para ele e o achei estranho, como se passasse mal", diz Maria Thereza. "Perguntei se queria que eu dirigisse um pouco, mas ele disse: 'Não, minha filha, estou bem'." Com o casal estavam Roberto Ulrich, que trabalhava para a família, e Alfredo, um adolescente engraxate que Goulart "adotou". Todos almoçaram no hotel Alejandro I, lá pelas 13h. João Goulart, que havia reduzido o álcool por ordens médicas, bebeu água com gás e comeu carne. Às 16h, finalmente, chegaram a La Villa, sem imaginar que aquele seria o último dia de Jango, ex-presidente do Brasil deposto pelo Golpe de 1964 e que, desde então, vivia no exílio.
Naquela noite, Maria Thereza foi para o quarto mais cedo que o marido. João Goulart preferiu ficar conversando com o capataz Júlio Passos na ampla varanda da casa de quatro quartos e um banheiro, sede de uma fazenda de gado de 900 hectares. João tomou uma sopa, comeu um pouco de churrasco de ovelha e bebeu uma xícara de chá. Como de costume, é provável que tenha tomado seu comprimido para o coração. À 1 da manhã, foi dormir. O sono veio rápido. Maria Thereza, ao contrário, não conseguia adormecer por causa do barulho do vento. Ficou lendo uma revista. Apagou a luz e começou a ouvir um ronco estranho. Levantou, acendeu a luz e viu o marido respirando de maneira esquisita. "Comecei a gritar 'Jango! Jango!', mas ele já não respondia", lembra. Júlio ouviu os gritos e, pensando que alguém havia invadido a casa, entrou no quarto e viu o patrão com as mãos no peito. Às 2h45, aos 57 anos, Jango estava morto.
Ulrich foi buscar em Corrientes, a 15 quilômetros, o médico argentino Ricardo Rafael Ferrari, recomendado por um fazendeiro conhecido da região. O clínico geral examinou o corpo em busca de sinais de violência e secreções na boca e nariz. Perguntou se a vítima tinha problema cardíaco, leu em um vidro a fórmula de um remédio para o coração e assinou o atestado de óbito: "Causa mortis: enfermedad". Depois, seguiu para a delegacia local e relatou o fato para, segundo ele próprio contou a deputados brasileiros em 2000, evitar "a responsabilidade de ser o único a atestar essa morte".
Amigos do ex-presidente ligaram de madrugada para o superintendente regional da Polícia Federal, coronel Solon D'Ávila, em Porto Alegre. Pediam autorização para que Jango fosse enterrado em sua cidade natal, São Borja, no Rio Grande do Sul, segundo o livro Segredos à Direita e à Esquerda na Ditadura Militar, do jornalista José Mitchell. O vice-presidente Adalberto Pereira dos Santos autorizou que o cadáver entrasse por terra. O ministro do Exército, Sylvio Frota, porém, determinou que o corpo viesse de avião, com medo de manifestações populares. Anos depois, em seu livro Ideais Traídos, Frota disse que a ordem de proibir a entrada do corpo por terra partira do presidente Ernesto Geisel - embora este tenha dito no livro A Ditadura Encurralada que permitiu "que o corpo entrasse por Uruguaiana". Ao fim do imbróglio político (que mais tarde ocasionou até mesmo um Inquérito Policial Militar), o corpo de Jango entrou no Brasil por terra. Mais de 30 mil pessoas tiveram que esperar a chegada dos dois filhos do casal, João Vicente e Denize, que vinham de Londres. A filha ainda teve tempo de estender sobre o caixão uma faixa com uma única palavra em vermelho: "Anistia".
As suspeitasNa época, apesar de saber que Jango era encarado como inimigo pelos regimes militares, a família não imaginava outra razão para a morte que não problemas de saúde. Em 1969, ele infartou no Uruguai, foi submetido a um cateterismo e passou a tomar remédios para o coração. Em setembro de 1976, esteve na Europa para conhecer o neto mais velho, Christopher, e se consultara com o professor Fremont (não há registro do nome completo do médico), do Instituto de Cardiologia de Lyon, na França. Tomava diariamente um remédio sublingual - vasodilatadores que variavam entre Isordil ou Carangor, comprados em farmácias comuns - e outro cujo nome ninguém da família se recorda, que era encomendado em farmácias da França e que vinha por correio para Buenos Aires.
Goulart tinha ordens médicas para emagrecer, parar de fumar e de beber. Trocou o uísque quase diário por doses moderadas de vinho e fez uma dieta na qual evitava pão e massa. Mas não ficava livre de outros excessos. "No café-da-manhã, comia um bife com ovo frito todos os dias", lembra a viúva. "Ele comprou o livro da dieta do Dr. Atkins. Anos depois, eu soube que aquele regime é uma bomba para quem tem colesterol alto", diz, referindo-se à dieta à base de proteínas e gorduras criada pelo médico americano Robert Atkins. Jango perdeu, segundo ele próprio escreveu para o filho, 11 quilos em três meses, mas não abandonou os dois maços de cigarro por dia. Fumava Nevada no Uruguai, Jockey Club na Argentina e Marlboro na Europa.
O assunto estava sepultado até 1982, quando a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após uma denúncia de que Jango teria sido morto. A acusação foi feita por Enrique Foch Díaz, que conhecera o ex-presidente quando vendeu a ele uma fazenda de gado. Díaz, que escreveu depois o livro João Goulart: El Crimen Perfecto, acusava Maria Thereza, o ex-governador de Brasília Ivo Magalhães (antigo sócio de Jango) e o ex-deputado pernambucano Cláudio Braga (que administrava o escritório argentino do ex-presidente) de participação no crime. Para Díaz, os três queriam ficar com os bens de Jango, que teria sido envenenado com sarin, colocado em seus medicamentos.
O juiz responsável pelo caso o arquivou por falta de provas. Díaz foi processado por difamação por Braga e condenado a sete meses de prisão em 2002. Suas teses foram descartadas. Ele não cumpriu a pena porque tinha mais de 80 anos. Seu livro foi retirado das lojas. "As denúncias tinham o único interesse de vender a publicação", diz João Vicente. Por isso, a família não autorizou a exumação. Segundo o filho, não havia condições políticas: "Entendemos que seria uma aventura fazer uma investigação desse tipo sem termos o apoio necessário dos governos envolvidos".
De qualquer forma, a denúncia de Díaz (que morreu em 2005) serviu para levantar a lebre. Uma Comissão Externa da Câmara Federal foi aberta em 2000 para apurar os fatos a pedido do deputado Miro Teixeira, do PDT (partido fundado por Leonel Brizola, cunhado de Jango).
A família acredita agora que a morte chegou a Jango no formato de um comprimido. "Na época, não pensava em assassinato do meu pai. Agora já não sei, quero saber o que realmente aconteceu", fala Denize. "Hoje, creio que meu pai foi assassinado por um grupo envolvendo o serviço secreto brasileiro [órgãos de informação como o Serviço Nacional de Inteligência, o SNI, e o Departamento de Ordem Política e Social, o Dops] em coordenação com atividades de inteligência clandestinas uruguaias e argentinas. Eu não tinha provas. Agora temos a prova viva, que é o Neira Barreiro", acredita João Vicente.
As evidênciasMário Neira Barreiro é um presidiário de 54 anos, detido desde 2003 na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, por assalto a banco e tráfico de armas, crimes cometidos no Brasil. Mas, sob o codinome Tenente Tamuz, pertenceu ao grupo Gama, do serviço de inteligência uruguaio.
Ele diz que, de 1973 até o dia da morte de Jango, vigiou o ex-presidente 24 horas por dia. Em depoimento gravado por João Vicente no fim de 2006, Neira disse mais: no meio dos comprimidos do frasco de remédio que vinha da França, foi colocada uma cápsula com um hipertensor que continha, em sua fórmula, potássio e um cloreto desidratado num esterilizador.
"Conseguimos colocar um comprimido naqueles remédios que eram importados, que vinham da França, e estavam com o gerente do hotel Liberty. Ele era amigo de Jango (...) e nós colocamos uma pessoa para trabalhar no hotel, que se chamava Heitor Rodríguez. O Heitor Rodríguez, que chamávamos Heitor Liberty, roubou os remédios de uma caixa que tinha uma trava, uma espécie de cofre forte do hotel. Ele pegou da gerência e deu para nós, e o doutor Carlos Milles fez a colocação de um comprimido em cada êmbolo", disse. Milles seria um legista uruguaio que já teria outros casos de envenenamento em seu currículo e foi morto, conforme conta Neira Barreiro, como queima de arquivo.
O uruguaio afirma que o assassinato de Jango foi ordenado pelo temido delegado Sérgio Fleury, do Dops de São Paulo, numa reunião em Montevidéu. Este, por sua vez, de acordo com Neira, estaria seguindo uma ordem de Geisel.
Não há prova de que Fleury tenha mandado matar Jango. Mas ele participou de reuniões em Montevidéu. "As ligações da repressão brasileira com outros países motivaram Fleury a promover vários contatos, principalmente para saber se havia brasileiros no Uruguai que interessariam aos militares brasileiros e ao Dops", diz o jornalista Percival de Souza, autor de Autópsia do Medo, biografia de Fleury. Segundo ele, no entanto, a articulação anti-Jango era de âmbito militar.
Neira Barreiro diz ter provas de toda a trama, mas não as exibe. Entrevistado pelos jornalistas Carlos Heitor Cony e Anna Lee para o livro O Beijo da Morte, prometeu entregar gravações de conversas de Goulart, provando que o vigiava, mas forneceu endereços falsos do local onde as fitas estariam.
Há contradições em seus depoimentos e entrevistas. À Comissão Externa da Câmara, declarou que o frasco importado da França havia sido trocado. Para João Vicente, disse que uma cápsula foi incluída. Em uma entrevista no fim de janeiro para o jornal Folha de S.Paulo, ele afirmou que vários comprimidos foram misturados a diversos frascos.
Apesar da desconfiança, os detalhes do cotidiano de Jango, descritos por ele, espantam a família. Barreiro, por exemplo, sabia a data da última carta enviada pelo político ao filho, 9 de novembro de 1976, e que no texto o ex-presidente comentava o preço do uísque.
"Ele sabia de toda a nossa vida, dos nomes dos empregados, da rotina, de tudo. Isso me deixou com dúvidas sobre como meu marido morreu", diz Maria Thereza. "Ele também cita os números dos telefones da nossa fazenda em Maldonado e da casa de Montevidéu, sabe de cor. Nem eu lembrava isso. Descreve o encontro do meu pai com os embaixadores da Argentina e da Líbia", diz João Vicente.
Outro fato, com provas: Jango era realmente vigiado. Fotos que estavam nos arquivos do antigo SNI foram entregues a João Vicente em 2006 pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff - em 2005, o presidente Lula assinou o decreto 5584/05, que autoriza a liberação de documentos contendo informações de investigações feitas entre 1964 e 1985 pelo SNI, pela Comissão Geral de Investigações e pela Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional.
As fotos são parte de mais de 7 mil documentos até então secretos e mostram Goulart festejando seus 56 anos, em 1975, com amigos. Todos numerados e identificados, provando que o aparato de inteligência brasileiro o vigiava.
Entre os novos documentos há relatórios detalhados, que reproduzem a rotina e diálogos de Jango. "Até agora, só analisamos cerca de um quinto da documentação entregue. Mas já há indícios que apontam para o assassinato do ex-presidente" , diz o historiador Oswaldo Munteal Filho, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), responsável pela análise e catalogação do arquivo no Instituto João Goulart. "Ainda não posso revelar os documentos porque é preciso analisar tudo antes."
As ameaçasAlém de vigiado, Goulart era ameaçado. Seu escritório em Buenos Aires foi invadido numa ação que, acredita-se, visava o seqüestro de Jango. Mas o imóvel estava vazio. A família recebia telefonemas anônimos que anunciavam que ele seria o próximo. "Eu me cansei de atender essas ligações. Uma vez ouvi de um homem: 'Sai daí porque daqui a pouco nós vamos chegar e levar você e seus filhos. Sabe para onde? Para o fim do mundo!' Eu não saí, a toda hora recebia ameaça", lembra Maria Thereza.
O clima de terror atingia a todos próximos a Jango. "Fui ao hotel Liberty, onde ele se hospedava em Buenos Aires, e funcionários me contaram que quando ele ia ligar o carro todos se afastavam. Tinham medo de bomba", diz Silvio Tendler, diretor do documentário Jango, de 1984.
Na época, influentes políticos sofreram atentados, em ações atribuídas hoje à Operação Condor, acordo entre as ditaduras do Cone Sul para a troca de informações sobre inimigos do regime. "Tudo faz crer que ele era também alvo da Condor, embora não conheça nenhum documento que fale no nome dele. Quando estive com Goulart em Buenos Aires e Punta del Este, em 1975, existia o receio de que ele pudesse ser assassinado. Mas, naquele tempo, não se conhecia exatamente o que era essa operação", diz o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de O Governo João Goulart.Antes da morte do marido, Maria Thereza foi detida diversas vezes. Em 1973, João Vicente ficou três dias preso num quartel uruguaio, com 32 colegas do Liceu Departamental de Maldonado, todos suspeitos de integrar o movimento estudantil. O cerco parecia se fechar.
Um ano antes da morte de Jango, em 1975, um grupo de extrema-direita foi preso em Mar del Plata e descobriu-se um plano para seqüestrar os filhos de Jango, como noticiaram jornais argentinos. O ex-presidente resolveu, então, mandar João Vicente para Londres no fim daquele ano. Denize seguiu em meados de 1976.
O próprio Goulart pensava em se mudar para Paris, enquanto sonhava com a volta ao Brasil. Segundo a família e os documentos do SNI, estava triste e isolado. Mas a hipótese de sua volta era encarada como ameaça pela linha-dura militar. Em 10 de setembro de 1976, ao receber um radiograma no qual se falava da tentativa de Jango regressar ao Brasil, o ministro Sylvio Frota mandou uma ordem ao Departamento Geral de Investigações Especiais da Secretaria de Segurança Pública do Rio, decretando: "João Goulart deverá ser imediatamente preso e conduzido ao quartel da PM, onde ficará em rigorosa incomunicabilidade à disposição da Polícia Federal". O jornalista José Mitchell relata em seu livro que, apenas seis dias antes de morrer, Jango tentara articular sua volta ao Brasil, na marra. Mas a morte o deteve.
Exilado no Uruguai em 1976, o ex-deputado federal Neiva Moreira relatou à Comissão da Câmara que um diplomata, cujo nome ele não deu, o havia procurado para falar sobre ameaças. "Disse-me: 'Neiva, a situação se agravou consideravelmente. Agora há listas de matar'", contou o político.
E completou: "O presidente João Goulart estava em quarto lugar". Neiva disse que avisou Goulart, através de um amigo comum. Na relação, o ex-presidente figurava atrás do general chileno Carlos Prats, do ex-presidente boliviano Juan Torres e do senador argentino Wilson Ferreira Aldunate.
Os dois primeiros foram mortos e o terceiro fugiu para o Peru. Isabel Letelier, viúva do ex-chanceler chileno Orlando Letelier, foi outra que contou a Jango que ele estaria marcado para morrer. "Estive com ela em 1982, nos Estados Unidos. Isabel me disse que avisou várias pessoas de uma lista de condenados, inclusive a João Goulart", lembra Silvio Tendler.
As perguntasEntre as afirmações feitas por Neira Barreiro que intrigam a família Goulart, uma diz respeito à autópsia: segundo o uruguaio, havia uma ordem para que o corpo de Jango não fosse examinado nas primeiras 48 horas após a morte, sob risco de o veneno usado ser descoberto.
Até hoje nunca surgiu um documento comprovando essa determinação. Mas, para João Vicente, a ordem explicaria a ausência de autópsia. Na época a família não se deu conta da importância do exame.
O caixão sequer foi aberto, a não ser por breves minutos, já em São Borja, como depôs o ginecologista Odil Rubim Pereira à Câmara dos Deputados. Amigo da família, o médico foi talvez a última pessoa a ter contato com o cadáver, no velório. "Me mostraram o corpo, que, naquele momento, expelia alguns líquidos, fluidos, por meio dos orifícios oral e nasal. Fizemos um tamponamento com gazes e algodão, o que tínhamos no momento", contou.
A ausência de autópsia também contrariava a lei. Segundo Genival Veloso de França, professor de Medicina Legal da Universidade Federal da Paraíba, uma resolução de 1941 do Conselho Federal de Medicina determina (até hoje) que toda pessoa que morra fora do hospital ou sem acompanhamento médico deve ser autopsiada. Se isso não acontecer, como foi o caso de Jango, um inquérito criminal pode ser aberto.
"No Código Internacional de Causa de Morte e Doenças não existe a classificação 'enfermidade' . Naquela época, o código já existia e essa orientação também. O certo seria, quando o corpo chegasse ao Brasil, devolver o atestado e fazer a necropsia." Ricardo Ferrari, o médico que assinou o óbito, morreu em 2002. Foi atropelado por uma motocicleta na cidade de Mercedes.
O corpo de Jango, que não foi autopsiado, também não será exumado. Pelo menos por enquanto. "Só vou permitir a exumação quando me garantirem que os venenos podem ser detectados depois de tanto tempo", diz João Vicente.
Em 8 de novembro do ano passado, a família pediu que a Procuradoria- Geral da República investigasse o caso. Em janeiro, o procurador Antonio Fernando Souza determinou que o Ministério Público do Rio Grande do Sul apure as denúncias de Neira Barreiro.
A Comissão Externa da Câmara terminou em outubro de 2001. Sem conclusões. Agora há chance de uma nova comissão ser aberta, diz o deputado Miro Teixeira. "São circunstâncias misteriosas numa época em que houve assassinatos de pessoas relevantes no cenário político latino-americano. Mas tudo deve ser analisado com cuidado, porque esse é o tipo de história que atrai todo tipo de gente", afirma Miro. "A morte de João Goulart é que nem a de John Kennedy: toda hora aparece um fato que justifica uma nova investigação."

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A invenção da crise - Marilena Chauí

Era o fim da tarde. Estava num hotel-fazenda com meus netos e resolvemos ver jogos do PAN-2007. Liguei a televisão e “caí” num canal que exibia um incêndio de imensas proporções enquanto a voz de um locutor dizia: “o governo matou 200 pessoas!”. Fiquei estarrecida e minha primeira reação foi típica de sul-americana dos anos 1960: “Meu Deus! É como o La Moneda e Allende! Lula deve estar cercado no Palácio do Planalto, há um golpe de Estado e já houve 200 mortes! Que vamos fazer?”. Mas enquanto meu pensamento tomava essa direção, a imagem na tela mudou. Apareceu um locutor que bradava: “Mais um crime do apagão aéreo! O avião da TAM não tinha condições para pousar em Congonhas porque a pista não está pronta e porque não há espaço para manobra! Mais um crime do governo!”. Só então compreendi que se tratava de um acidente aéreo e que o locutor responsabilizava o governo pelo acontecimento. Fiquei ainda mais perplexa: como o locutor sabia qual a causa do acidente, se esta só é conhecida depois da abertura da caixa preta do avião? Enquanto me fazia esta pergunta e angustiada desejava saber o que havia ocorrido, pensando no desespero dos passageiros e de suas famílias, o locutor, por algum motivo, mudou a locução: surgiram expressões como “parece que”, “pode ser que”, “quando se souber o que aconteceu”. E eu me disse: mas se é assim, como ele pôde dizer, há alguns segundos, que o governo cometeu o crime de assassinar 200 pessoas? Mudei de canal. E a situação se repetia em todos os canais: primeiro, a afirmação peremptória de que se tratava de mais um episódio da crise do apagão aéreo; a seguir, que se tratava de mais uma calamidade produzida pelo governo Lula; em seguida, que não se sabia se a causa do acidente havia sido a pista molhada ou uma falha do avião. Pessoas eram entrevistadas para dizer (of course) o que sentiam. Autoridades de todo tipo eram trazidas à tela para explicar porque Lula era responsável pelo acidente. ETC. Mas de todo o aparato espetacular de exploração da tragédia e de absoluto silêncio sobre a empresa aérea, que conta em seu passivo com mais de 10 acidentes entre 1996 e 2007 (incluindo o que matou o próprio dono da empresa!), o que me deixou paralisada foi o instante inicial do “noticiário”, quando vi a primeira imagem e ouvi a primeira fala, isto é, a presença da guerra civil e do golpe de Estado. A desaparição da imagem do incêndio e a mudança das falas nos dias seguintes não alteraram minha primeira impressão: a grande mídia foi montando, primeiro, um cenário de guerra e, depois, de golpe de Estado. E, em certos casos, a atitude chega ao ridículo, estabelecendo relações entre o acidente da TAM, o governo Lula, Marx, Lênin e Stálin, mais o Muro de Berlim!!!
1) Que papel desempenhou a mídia brasileira – especialmente a televisão – na “crise aérea” ? Meu relato já lhe dá uma idéia do que penso. O que mais impressiona é a velocidade com que a mídia determinou as causas do acidente, apontou responsáveis e definiu soluções urgentes e drásticas! Mas acho que vale a pena lembrar o essencial: desde o governo FHC, há o projeto de privatizar a INFRAERO e o acidente da GOL, mais a atitude compreensível de auto-proteção assumida pelos controladores aéreos foi o estopim para iniciar uma campanha focalizando a incompetência governamental, de maneira a transformar numa verdade de fato e de direito a necessidade da privatização. É disso que se trata no plano dos interesses econômicos. No plano político, a invenção da crise aérea simplesmente é mais um episódio do fato da mídia e certos setores oposicionistas não admitirem a legitimidade da reeleição de Lula, vista como ofensa pessoal à competência técnica e política da auto-denominada elite brasileira. É bom a gente não esquecer de uma afirmação paradigmática da mídia e desses setores oposicionistas no dia seguinte às eleições: “o povo votou contra a opinião pública”. Eu acho essa afirmação o mais perfeito auto-retrato da mídia brasileira! Do ponto de vista da operação midiática propriamente dita, é interessante observar que a mídia:
a) não dá às greves dos funcionários do INSS a mesma relevância que recebem as ações dos controladores aéreos, embora os efeitos sobre as vidas humanas sejam muito mais graves no primeiro caso do que no segundo. Mas pobre trabalhador nasceu para sofrer e morrer, não é? Já a classe média e a elite... bem, é diferente, não? A dedicação quase religiosa da mídia com os atrasos de aviões chega a ser comovente...b) noticiou o acidente da TAM dando explicações como se fossem favas contadas sobre as causas do acontecimento antes que qualquer informação segura pudesse ser transmitida à população. Primeiro, atribuiu o acidente à pista de Congonhas e à Infraero; depois aos excessos da malha aérea, responsabilizando a ANAC; em seguida, depois de haver deixado bem marcada a responsabilidade do governo, levantou suspeitas sobre o piloto (novato, desconhecia o AIRBUS, errou na velocidade de pouso, etc.); passou como gato sobre brasas acerca da responsabilidade da TAM; fez afirmações sobre a extensão da pista principal de Congonhas como insuficiente, deixando de lado, por exemplo, que a de Santos Dumont e Pampulha são menos extensas;c) estabeleceu ligações entre o acidente da GOL e o da TAM e de ambos com a posição dos controladores aéreos, da ANAC e da INFRAERO, levando a população a identificar fatos diferentes e sem ligação entre si, criando o sentimento de pânico, insegurança, cólera e indignação contra o governo Lula. Esses sentimentos foram aumentados com a foto de Marco Aurélio Garcia e a repetição descontextualizada de frases de Guido Mântega, Marta Suplicy e Lula;d) definiu uma cronologia para a crise aérea dando-lhe um começo no acidente da GOL, quando se sabe que há mais de 15 anos o setor aéreo vem tendo problemas variados; em suma, produziu uma cronologia que faz coincidir os problemas do setor e o governo Lula;e) vem deixando em silêncio a péssima atuação da TAM, que conta em seu passivo com mais de 10 acidentes, desde 1996, três deles ocorridos em Congonhas e um deles em Paris – e não dá para dizer que as condições áreas da França são inadequadas! A supervisão dos aparelhos é feita em menos de 15 minutos; defeitos são considerados sem gravidade e a decolagem autorizada, resultando em retornos quase imediatos ao ponto de partida; os pilotos voam mais tempo do que o recomendado; a rotatividade da mão de obra é intensa; a carga excede o peso permitido (consta que o AIRBUS acidentado estava com excesso de combustível por haver enchido os tanques acima do recomendado porque o combustível é mais barato em Porto Alegre!); etc. f) não dá (e sobretudo não deu nos primeiros dias) nenhuma atenção ao fato de que Congonhas, entre 1986 e 1994, só fazia ponte-aérea e, sem mais essa nem aquela, desde 1995 passou a fazer até operações internacionais. Por que será? Que aconteceu a partir de 1995?g) não dá (e sobretudo não deu nos primeiros dias) nenhuma atenção ao fato de que, desde os anos 1980, a exploração imobiliária (ou o eterno poder das construtoras) verticalizou gigantesca e criminosamente Moema, Indianópolis, Campo Belo e Jabaquara. Quando Erundina foi prefeita, lembro-me da grande quantidade de edifícios projetados para esses bairros e cuja construção foi proibida ou embargada, mas que subiram aos céus sem problema a partir de 1993. Por que? Qual a responsabilidade da Prefeitura e da Câmara Municipal?

2) Como a sra. avalia a reação do Governo Lula à atuação da mídia nesse episódio ? Fraca e decepcionante, como no caso do mensalão. Demorou para se manifestar. Quando o fez, se colocou na defensiva.O que teria sido politicamente eficaz e adequado? Já na primeira hora, entrar em rede nacional de rádio e televisão e expor à população o ocorrido, as providências tomadas e a necessidade de aguardar informações seguras. Todos os dias, no chamado “horário nobre”, entrar em rede nacional de rádio e televisão, expondo as ações do dia não só no tocante ao acidente, mas também com relação às questões aéreas nacionais, além de apresentar novos fatos e novas informações, desmentindo informações incorretas e alertando a população sobre isso.Mobilizar os parlamentares e o PT para uma ação nacional de informação, esclarecimento e refutação imediata de notícias incorretas.
3) Em “Leituras da Crise”, a sra. discute a tentativa do impeachment do Presidente na chamada “crise do mensalão”. A sra. vê sinais de uma nova tentativa de impeachment ? Sim. Como eu disse acima, a mídia e setores da oposição política ainda estão inconformados com a reeleição de Lula e farão durante o segundo mandato o que fizeram durante o primeiro, isto é, a tentativa contínua de um golpe de Estado. Tentaram desestabilizar o governo usando como arma as ações da Polícia Federal e do Ministério Público e, depois, com o caso Renan (aliás, o governador Requião foi o único que teve a presença de espírito e a coragem política para indagar porque não houve uma CPI contra o presidente FHC, cuja história privada, durante a presidência, se assemelhou muito à de Renan Calheiros). Como nenhuma das duas tentativas funcionou, esperou-se que a “crise aérea” fizesse o serviço. Como isso não vai acontecer, vamos ver qual vai ser a próxima tentativa, pois isso vai ser assim durante quatro anos.
4) No fim de “Simulacro e Poder” a sra. diz: “... essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de instituí-la como sujeito da comunicação ...Ideologicamente ... o poder da comunicação de massa não é igual ou semelhante ao da antiga ideologia burguesa, que realizava uma inculcação de valores e idéias. Dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, (a comunicação de massa) afirma que nada sabemos e seu poder se realiza como intimidação social e cultural... O que torna possível essa intimidação e a eficácia da operação dos especialistas ... é ... a presença cotidiana ... em todas as esferas da nossa existência ... essa capacidade é a competência suprema, a forma máxima de poder: o de criar realidade. Esse poder é ainda maior (igualando-se ao divino) quando, graças a instrumentos técnico-cientificos, essa realidade é virtual ou a virtualidade é real...” Qual a relação entre esse trecho de “Simulacro e Poder” e o que se passa hoje ? Antes de me referir à questão do virtual, gostaria de enfatizar a figura do especialista competente, isto é, daquele é supostamente portador de um saber que os demais não possuem e que lhe dá o direito e o poder de mandar, comandar, impor suas idéias e valores e dirigir as consciências e ações dos demais. Como vivemos na chamada “sociedade do conhecimento”, isto é, uma sociedade na qual a ciência e a técnica se tornaram forças produtivas do capital e na qual a posse de conhecimentos ou de informações determina a quantidade e extensão de poder, o especialista tem um poder de intimidação social porque aparece como aquele que possui o conhecimento verdadeiro, enquanto os demais são ignorantes e incompetentes. Do ponto de vista da democracia, essa situação exige o trabalho incessante dos movimentos sociais e populares para afirmar sua competência social e política, reivindicar e defender direitos que assegurem sua validade como cidadãos e como seres humanos, que não podem ser invalidados pela ideologia da competência tecno-científica. E é essa suposta competência que aparece com toda força na produção do virtual. Em “Simulacro e poder” em me refiro ao virtual produzido pelos novos meios tecnológicos de informação e comunicação, que substituem o espaço e o tempo reais – isto é, da percepção, da vivência individual e coletiva, da geografia e da história – por um espaço e um tempo reduzidos a um única dimensão; o espaço virtual só possui a dimensão do “aqui” (não há o distante e o próximo, o invisível, a diferença) e o tempo virtual só possui a dimensão do “agora” (não há o antes e o depois, o passado e o futuro, o escoamento e o fluxo temporais). Ora, as experiências de espaço e tempo são determinantes de noções como identidade e alteridade, subjetividade e objetividade, causalidade, necessidade, liberdade, finalidade, acaso, contingência, desejo, virtude, vício, etc. Isso significa que as categorias de que dispomos para pensar o mundo deixam de ser operantes quando passamos para o plano do virtual e este substitui a realidade por algo outro, ou uma “realidade” outra, produzida exclusivamente por meios tecnológicos. Como se trata da produção de uma “realidade”, trata-se de um ato de criação, que outrora as religiões atribuíam ao divino e a filosofia atribuía à natureza. Os meios de informação e comunicação julgam ter tomado o lugar dos deuses e da natureza e por isso são onipotentes – ou melhor, acreditam-se onipotentes. Penso que a mídia absorve esse aspecto metafísico das novas tecnologias, o transforma em ideologia e se coloca a si mesma como poder criador de realidade: o mundo é o que está na tela da televisão, do computador ou do celular. A “crise aérea” a partir da encenação espetacularizada da tragédia do acidente do avião da TAM é um caso exemplar de criação de “realidade”. Mas essa onipotência da mídia tem sido contestada socialmente, politicamente e artisticamente: o que se passa hoje no Iraque, a revolta dos jovens franceses de origem africana e oriental, o fracasso do golpe contra Chavez, na Venezuela, a “crise do mensalão” e a “crise aérea”, no Brasil, um livro como “O apanhador de pipas” ou um filme como “Filhos da Esperança” são bons exemplos da contestação dessa onipotência midiática fundada na tecnologia do virtual.

Juventude, classe e cultura política

Anderson Campos[1]

Ao tratarmos sobre a juventude brasileira, geralmente discutimos os problemas sociais que atingem essa faixa etária – drogadição, violência, educação, desemprego e um conjunto de opressões – e, também, as saídas para superação dos mesmos: políticas públicas, participação política, geração de emprego e renda etc. Em nossas teses, geralmente tratamos o papel das organizações da juventude e as políticas públicas de juventude como os dois grandes centros do debate. Mas, sobre qual juventude tratamos quando nos referimos à organização partidária? Será que a juventude petista pode assumir o papel de ser referência da maioria dos(as) jovens do país, ou seja, dos(as) jovens oriundos da classe trabalhadora? Para ajudar nesse debate, apresento, aqui, uma caracterização sobre quem são os(as) jovens brasileiros
[2]. A partir disso, pretendo provocar o debate acerca do âmbito da disputa de hegemonia. Em outras palavras, tentarei situar o lugar da juventude nessa disputa.
Esse texto divide-se em três partes. Primeiramente, realizo um esforço para demonstrar a necessidade de um recorte de classe do(a) jovem brasileiro(a). Argumento que a maioria dos(as) nossos(as) jovens são pobres, filhos(as) da classe trabalhadora. Em seguida, discuto os impactos dessa condição social sobre a cultura política, organizada a partir da ideologia da classe dominante. Por fim, apresento provocações aos(às) jovens dirigentes dos movimentos sociais e que são militantes do Partido dos Trabalhadores em relação às possibilidades de travar a disputa de hegemonia, absolutamente necessária, mas secundarizada frente à teimosia pragmática.

1. Um recorte de classe para a juventude
As características do mercado de trabalho brasileiro, com suas altas taxas de desemprego e profunda precarização, têm impacto intenso sobre a inserção ocupacional dos jovens
[3]. As mutações sofridas nas relações de trabalho e no papel do Estado no período de hegemonia neoliberal no Brasil produziram efeitos devastadores sobre o padrão dessa inserção, consolidando a juventude como o segmento mais vulnerável.
Os anos 1990 foram marcados pela expansão do desemprego aberto, da precarização das relações de trabalho e do desassalariamento. Os jovens trabalhadores foram mais fortemente afetados por esse processo. A diminuição da renda dos salários, o aumento do desemprego e a diminuição da responsabilidade do Estado sobre a oferta de educação pública de qualidade provocaram maior entrada de jovens no mercado trabalho. Ocorre aumento substancial do excedente da força de trabalho, acentuando a concorrência em condições ainda mais desfavoráveis. Trata-se de uma mão-de-obra mais desqualificada e com menor experiência. Em um mercado de trabalho altamente flexibilizado, o segmento mais frágil torna-se a principal vítima dos mecanismos de precarização: rotatitividade, informalidade, contratos temporários, portanto, ausentes de proteção social.
O processo de flexibilização da gestão da força de trabalho abrange, no caso brasileiro, quatro dimensões: da remuneração, do tipo de vínculo, da jornada de trabalho e do papel das instituições públicas (Krein, 2007, p.14). A partir de tais dimensões, podemos sistematizar da seguinte forma a caracterização do padrão de inserção ocupacional do jovem no mercado de trabalho brasileiro
[4]:
· Jovens de 16 a 17 anos: apresentam maior dificuldade de inserção ocupacional e os maiores sinais de precarização; cerca de 30% dos ocupados nesta faixa etária estão em ocupações sem rendimento monetário;
· Jovens de 18 a 20 anos: apresentam crescimento na ocupação na administração pública (6% a.a. – 2002 a 2005); perderam em serviços tradicionais oferecidos pelo Estado (educação, saúde, serviços sociais);
· Jovens de 21 a 24 anos: ocupação amplia-se com maior dinamismo (3,3% a.a. – 2002 a 2005); ampliação do emprego com carteira.
· Ocupação juvenil: trabalhos manuais (na cidade e no campo), de auxílio administrativo, de atendimento ao público.
· Remuneração: baixa, sendo que 83,5% percebem no máximo o equivalente a 2 salários mínimos em 2005.
· Os jovens de famílias com maior poder aquisitivo têm inserção melhor no mercado de trabalho: em 2005 verificou-se que a formalização na contratação é maior na medida em que aumenta a renda familiar. Isso vale também em relação aos rendimentos: a renda dos jovens ocupados é maior quanto mais elevado é o total de rendimentos das famílias.
· Posição na ocupação: precariedade dos vínculos, com baixa participação no emprego formal (menos de 14% do total das ocupações);
· Pobreza rural: entre os principais ramos onde estavam ocupados os jovens pobres em 2005, metade dos com idade entre 16 e 17 anos, 44% dos com 18 a 20 anos e 39% dos que tinham entre 21 e 24 anos trabalhavam no ramo agrícola.
· A maioria não consegue conciliar estudo e trabalho. A proporção dos jovens ocupados que somente trabalham é maior que a proporção de jovens que estuda e trabalha; a dificuldade é maior nas famílias de baixa renda.
· A jornada de trabalho média semanal é muito alta para o conjunto dos jovens ocupados, ao se considerar a possibilidade de conciliar trabalho e estudo.
Percebemos um claro recorte a partir da origem dos jovens. Em geral, todos enfrentam maiores dificuldades para entrar no mercado de trabalho. Para os que são oriundos de famílias com maior poder aquisitivo, o jovem ocupado possui ensino médio completo, tem dificuldade de conciliar estudo e trabalho, desenvolve suas atividades no setor de serviços, cumpre uma extensa jornada de trabalho, é assalariado, tem carteira de trabalho assinada e rendimento situado entre 1 e 2 salários mínimos. A realidade dos que têm origem em famílias pobres é bem diferente: a maioria apenas trabalha e não estuda, possui ensino fundamental incompleto e recebe rendimentos médios inferiores a 1 salário mínimo (DIEESE, 2006).
Apenas 14% da população ocupada juvenil está no mercado formal. Isso significa que a absoluta maioria de jovens está em ocupações informais, portanto submetida a padrões de contratação e remuneração que estão à margem da legislação do trabalho e de qualquer proteção das instituições públicas e dos sindicatos.
Trata-se de uma tendência que se desenvolve sem resistências substanciais, pois os impactos culturais dessa condição instável consolidam a efemeridade como modo de vida
[5].
As dificuldades de inserção e permanência no mercado de trabalho se impõem como obstáculos para grandes camadas de trabalhadores. Para os trabalhadores adultos, a situação já era bastante difícil e, para os jovens, a situação é de alta dramaticidade. O signo “menos” passa a configurar como marca central do jovem que consegue inserir-se: “ele ganha menos, ele tem menos direitos, não tem nenhuma garantia sobre a duração do emprego que ocupa e sua eventual recondução” (Martins, 1997, p.100).
Nos anos 1990, as opções que restaram à juventude foram aquelas impostas pelos limites estruturais desse mercado e pela estagnação econômica que incapacitou possibilidades de geração de emprego. Sob orientações do Banco Mundial
[6], divulgou-se a idéia de que as únicas alternativas seriam a incansável busca da empregabilidade e a aposta no empreendedorismo.
A idéia de empregabilidade afirma a lógica que o desemprego é problema do trabalhador e não da estagnação econômica. É ele que precisa se qualificar para poder melhor competir com outros. O problema do desemprego juvenil, por esse ponto de vista, seria questão de defasagem entre o seu aprendizado e o perfil desejado pelo mercado. A exigência pela qualificação aumentou por causa da concorrência e não como garantia de emprego.
Gori (2007) identifica que entre 1999-2006, ocorreu uma redução tênue da taxa de desemprego em praticamente todos os grupos sociais. Porém, aumentou entre os jovens com 3º grau de escolaridade. Ribeiro (2007), analisando os dados da PNAD 2006, conclui que o desemprego entre jovens tem aumentado mesmo aumentando, também, o nível de escolaridade desses mesmos jovens. Essa realidade demonstra a insuficiência do argumento da empregabilidade como alternativa plausível de combate ao desemprego. Segundo Pochmann (2000), no caso dos que conquistam um posto de trabalho, a instabilidade do padrão ocupacional do jovem ocorre apesar da elevação da taxa de escolaridade
[7].
O empreendendorismo
[8], que também reforça a idéia de que a única saída possível é a individual, busca incentivar os jovens a montarem seus próprios negócios e, assim, criarem condições para melhor concorrer no mercado. Dada a condição social da maioria da juventude brasileira, tal alternativa é capaz de produzir como resultado apenas o aprofundamento da sua situação instável e precária.
Ribeiro (2007), ao analisar a condição de atividade do jovem no período de 2002 a 2005, identifica o círculo vicioso da relação renda familiar/inserção do jovem:
Os dados da PNAD mostram que os jovens oriundos de famílias com renda média per capita de até 1 salário mínimo correspondiam a quase 60% dos jovens do país em 2005, e ainda, que um terço dos jovens viviam abaixo da linha de pobreza naquele ano. Chama a atenção que mesmo entre os ocupados, 26,5% permaneciam abaixo da linha de pobreza oficial, enquanto cerca de 40% dos jovens desempregados estavam na mesma situação de renda familiar. Ainda que parte importante da pobreza esteja relacionada aos baixos salários característicos do mercado de trabalho de algumas regiões do país (norte e nordeste principalmente), o desemprego pode ser considerado o principal determinante da pobreza e o grande responsável por sua reprodução após a década de 90.
Estamos falando, portanto, da realidade da maioria da população juvenil, qual seja, esses 60% que tem origem em famílias com renda média per capita de até 1 salário mínimo. Para esta maioria, não há opção de estudar. Ele está condenado ao trabalho o mais precocemente possível, dada a sua necessidade de sobrevivência. Para estes, a única possibilidade de inserção são ocupações precárias.
(...) a necessidade extrema de trabalhar, de ganhar a vida, faz com que os jovens com as piores condições de vida, sejam obrigados a aceitar as piores condições de trabalho. O jovem, e na verdade o trabalhador de qualquer idade, que é eventual ou sistematicamente recusado pelo mercado de trabalho, independente do motivo para essa recusa, não tem força de barganha nem meios de vida garantidos. E isso os obriga a deixar de lado direitos, reivindicações e expectativas na hora de estabelecer uma relação de trabalho. Assim, o destino do trabalhador desempregado, no que se refere a conseguir um trabalho assalariado e à qualidade dessa relação de trabalho, depende em grande medida de sua situação de vida. Quanto piores as condições de vida menores as chances de conseguir um bom emprego (Sochaczewski, 2007: 131).

2. Impactos sobre a cultura política
A relação capital-trabalho sofreu alterações profundas na década de 1990. As mutações no mercado de trabalho e no papel do Estado produziram desastrosos impactos sobre os princípios da coletividade e da solidariedade. A imensa massa de indivíduos não inseridos ficam à mercê da insegurança social, tornando-se o símbolo negativo de um mundo violento e instável.
Ao mesmo tempo, uma mudança cultural se impõe sobre a sociedade global, com impactos desastrosos sobre a juventude: o conjunto dos trabalhadores percebem-se cada vez mais como consumidores, quando antes se identificavam como produtores.
Instabilidade, precariedade, desemprego recorrente são algumas das formas de caracterizar a situação do jovem trabalhador. Sua entrada no mercado de trabalho, cada vez mais precoce, desabilita-o a ter acesso à formação educacional e aos bens culturais. Condição apoiada e promovida pelo desmonte do aparato educacional público na década neoliberal, acompanhado pelo crescimento da violência urbana e no campo.
Os impactos desse contexto sobre a cultura política são desastrosos. Os valores e práticas políticas que advém dessa condição social contribuem para a manutenção do estado presente das coisas. São valores formados historicamente e não escolhas individuais e autônomas. Dessa forma, as saídas individuais não constituem alternativa coerente. O papel do Partido é imprescindível para produzir as alterações necessárias. Na análise de Gramsci, é no terreno da subjetividade onde se formam os valores e as crenças que fundamentam o consenso capaz de dar equilíbrio à ordem desigual, ao poder
[9].
É fundamental, antes de tudo, compreender quem é esse jovem, seus modos de vida e suas perspectivas, para, assim, construir as ferramentas mais adequadas para uma estratégia de organização.
Antes, é preciso salientar que não temos acordo com avaliações que sugerem uma rebeldia natural da juventude ou o outro lado do exagero, segundo o qual a ideologia capitalista conquistou corações e mentes da juventude, blindada em sua alienação. Ambas são visões conservadoras que em nada ajudam a pensar os desafios da disputa social entre projetos antagônicos de sociedade. Por um lado, o jovem recebe um turbilhão de informações conservadoras vindas de todos os espaços pelos quais circula. Mesmo assim, existe potencial de construção de uma visão mais progressista e crítica sobre as opressões sociais. Visão essa que geralmente se perde com o passar do tempo, quando ela não é mais alimentada por qualquer instrumento capaz de se contrapor aos códigos sociais dominantes.
Se não existirem formas – sejam elas organizadas ou difusas – de contraposição aos códigos sociais conservadores, com o passar do tempo, as poucas brechas progressistas dão espaço à conformação e aceitação das opressões sociais, do hedonismo e do individualismo como instrumentos de subserviência de um adulto padrão.
O problema da participação da juventude em movimentos sociais e em ações coletivas não se resume aos movimentos tidos como tradicionais. Não apenas nos movimentos sindical e estudantil se verificam as dificuldades de identificação com as organizações e as ações políticas. Importante estudo sobre a militância de jovens nos anos 1990 – período marcado pelo refluxo dos movimentos sociais e extrema despolitização – conclui que mesmo a participação em movimentos novos , mas em um contexto desfavorável, não possui significado emancipatório, chegando mesmo a ser “simples defesa de interesses particulares” (Souza, 1999: 198). São jovens inseridos em uma geração individualista, o que apresenta, por si só, importante limitação para a produção do novo.
Engajados no movimento social, os jovens se valorizam e se apropriam de sua juventude, em um contexto desfavorável para tal, sob a hegemonia do mundo das mercadorias. A opção pelo coletivo nos leva a indagar os limites da “civilização dos negócios”, que marca uma das expressões do globalismo, que comprime o tempo, abreviando a juventude no que tem de sonho e liberdade, prolongando-a no que tem de estilo de vida e de consumo, de falsa liberdade. Mais do que uma despolitização, tal “civilização” politiza para a competição, para o egoísmo (Souza, op. cit., p.201).
A recente emergência da participação popular de jovens, concomitante ao surgimento de atores políticos novos, trazem à tona um estilo de participação alternativa aos padrões institucionais. Isto ocorre num contexto de saturação das instituições tradicionais de representação e organização política (partidos políticos, sindicatos), somado a um contexto cultural no qual há o desejo de não transferir para um futuro distante o sonho de uma sociedade transformada, mas sim tratar de realiza-la na prática da luta cotidiana pela sobrevivência (Kärner, 1987). Ocorre a emergência de canais de participação que acompanham a tendência a cair em reivindicações imediatistas e corporativistas (Offe, 1984, p.370). Trata-se de uma resistência em conformidade com o jogo. Com isso, fundamenta-se a ética do instante, segundo a qual, há a supremacia do carpe diem enquanto aspecto fulcral de uma cultura política baseada no imediatismo (Campos, 2000).

3. Juventude e luta de classes
O papel das lideranças políticas é imprescindível para alterar a correlação de forças na sociedade em relação à disputa de hegemonia sobre a juventude e, conseqüentemente, definir rumos na construção de uma outra sociedade. Para Gramsci, o papel das lideranças políticas que, pela qualidade de suas iniciativas e dos modelos político-culturais que lhes correspondem, podem introduzir as inovações necessárias à fundação da nova sociedade (Moisés, 1995, p.90). Se existe a dominação da indústria cultural, que impõe os códigos e as normas dominantes necessários à manutenção do sistema no qual vivemos (individualismo, consumismo. conformismo), no campo da cultura a luta de classes também deve ocorrer. É esse um dos principais campos de significação para a juventude. E, como afirma Foucault, todo poder provoca resistência.
Trata-se, portanto, de tarefa emergencial para as lideranças políticas transformar esse campo em mecanismo de questionamento, criatividade e ação coletiva. Significa disputa de valores. Os valores do socialismo democrático estão presentes nas greves e nas passeatas. Mas hoje essas ações não são suficientes para conquistar corações e mentes juvenis. O poder midiático e da cultura de massa, a educação voltada para a competitividade, a cotidiana quebra de laços de solidariedade, dentre muitos outros, são ferramentas bastante poderosas e eficazes para a adaptação. As dificuldades para a confrontação nesse campo são imensas.
Por outro lado, está claro que a condição social da juventude, sob nosso ponto de vista, é resultado mais geral da vida na sociedade capitalista. A luta por sua superação, portanto, não pode prescindir de uma profunda identidade de classe. Essa é uma tarefa necessária para um partido de trabalhadores. Ao organizamos as frentes de luta juvenis, sejam elas estudantis, ecológicas, artísticas, sindicais, na execução de políticas públicas, feministas dentre muitas outras, não dissociamos a agenda anti-capitalista.
O terreno da luta pelo socialismo se desenvolve a partir de estratégias que visem a construção de uma nova hegemonia. A busca de uma nova cultura política está associada diretamente a esta construção. Iniciativas de organização de jovens que limitam-se à conformidade do jogo político, mas que não formam gerações novas, pouco contribuem para a resistência e podem até mesmo ser conservadoras. Torna-se resistir para sobreviver.
O pensar sobre a juventude contemporânea deve considerar o contexto e o que ele impõe de significados para os modos de vida e para a cultura política. Essa consideração também deve levar em conta que não se trata de engessamento de uma visão de mundo, pois a cultura não é estática: ela é produzida por homens e mulheres, com capacidades de transfigurá-la, seja para a conservação, seja para a emancipação social. Cabe às organizações políticas que compartilham deste último objetivo potencializar tais capacidades.
A questão que insiste é: o que as organizações políticas conduzidas por jovens e para os(as) jovens têm feito rumo à disputa da hegemonia? Como contribuem para a luta de classes? As repostas precisam, para serem coerentes, corresponder à superação da realidade da juventude brasileira. Distante disso, seremos militantes com a ilusão de que construímos algo, mas não conseguimos mexer o chão no qual pisamos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo (CESIT/Unicamp), assessor político-sindical da CUT Nacional.
[2] Para essa caracterização, utilizo informações organizadas em Campos (2007b).
[3] Recorremos ao conceito de padrão de inserção ocupacional para compreender a situação do jovem trabalhador no Brasil no atual contexto do mercado de trabalho e da política econômica do país. Segundo Pochmann (2000), o padrão de inserção ocupacional do jovem permite identificar as distintas trajetórias da população juvenil, a partir da decisão de ingresso no mercado de trabalho (emprego ou desemprego) ou não (inatividade). Por conta disso, o conceito de padrão de inserção ocupacional é indispensável nas análises sobre a situação da população jovem (p.62)

[4] DIEESE (2006 e 2007), Ribeiro (2007), Pochmann (2007, ), Proni & Ribeiro (2007),
[5] Harvey (2003) define os contornos culturais da vida contemporânea, marcados pelo efêmero e pelo simulacro, como conseqüências da crise do capitalismo, refutando as idéias do surgimento do pós-capitalismo. Essa lógica cultural é, ao mesmo tempo, conseqüência e base de manutenção da dinâmica própria do capitalismo.
[6] Para compreensão do papel dos organismos multilaterais (Banco Mundial, FMI, OMC, OCDE) sobre a formulação de políticas de emprego adequadas ao ajuste neoliberal, ver Gimenez, 2007.
[7] O autor observa o crescimento da marginalização do jovem no mercado de trabalho. Tipifica quatro categorias de desemprego juvenil: de inserção, recorrente, de reestruturação e de exclusão.
[8] É necessário destacar que o empreendendorismo receitado pelo Banco Mundial aos governos nacionais difere-se daqueles tipos de empreendimentos solidários que defendemos como alternativas às relações capitalistas de produção. Para esse organismo internacional, deve-se incentivar a construção de pequenos negócios como alternativa individual ao desemprego. Por razões de espaço, não esboçaremos aqui esse debate.
[9] Ao introduzir o conceito de hegemonia política, Gramsci sugeriu que a formação de um bloco histórico (um modelo político-cultural abrangente pelo qual as elites dirigentes procuram exercer influência e poder na sociedade) começa no terreno das ideologias, ou seja, na esfera em que as classes tomam consciência da sua realidade.

CHAUÍ: VIOLÊNCIA, RACISMO E DEMOCRACIA

A filósofa e professora da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP, Marilena Chauí, participou no dia 3 de dezembro, em São Paulo, do ciclo de debates “Ações Afirmativas: Estratégias para Ampliar a Democracia”, promovido pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, chefiada pela Ministra Matilde Ribeiro.
A professora Chauí tratou da questão da violência, do racismo e da democracia no Brasil.

Contra a violência
1. Ética, violência e racismo
Numa perspectiva geral, podemos dizer que a ética procura definir, antes de mais nada, a figura do agente ético e de suas ações e o conjunto de noções (ou valores) que balizam o campo de uma ação que se considere ética. O agente ético é pensado como sujeito ético, isto é, como um ser racional e consciente que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que faz, e como um ser responsável que responde pelo que faz. A ação ética é balizada pelas idéias de bom e mau, justo e injusto, virtude e vício, isto é, por valores cujo conteúdo pode variar de uma sociedade para outra ou na história de uma mesma sociedade, mas que propõem sempre uma diferença intrínseca entre condutas, segundo o bem, o justo e o virtuoso. Assim, uma ação só será ética se for consciente, livre e responsável e só será virtuosa se for realizada em conformidade com o bom e o justo. A ação ética só é virtuosa se for livre e só será livre se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior ao próprio agente e não vier da obediência a uma ordem, a um comando ou a uma pressão externos. Enfim, a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do agente e se o agente respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma intersubjetividade. A ética não é um estoque de condutas e sim uma práxis que só existe pela e na ação dos sujeitos individuais e sociais, definidos por formas de sociabilidade instituídos pela ação humana em condições históricas determinadas.
A ética se opõe à violência, palavra que vem do latim e significa: 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar);2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar);3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar);4) todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito;5) conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror.
A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos. Na medida em que a ética é inseparável da figura do sujeito racional, voluntário, livre e responsável, tratá-lo como se fosse desprovido de razão, vontade, liberdade e responsabilidade é tratá-lo não como humano e sim como coisa, fazendo-lhe violência nos cinco sentidos em que demos a esta palavra. É sob este aspecto (entre outros, evidentemente), que o racismo é definido como violência. Não é demais lembrar quando essa idéia aparece.
De fato, não se sabe muito bem qual é a origem da palavra “raça” - os antigos gregos falavam em etnia e genos, os antigos hebreus, em povo, os romanos, em nação;e essas três palavras significavam o grupo de pessoas descendentes dos mesmos pais originários. Alguns dicionários indicam que, no século XII, usava-se a palavra francesa “haras” para se referir à criação de cavalos especiais e pode-se supor que seu emprego se generalizou para outros animais e para vegetais, estendendo-se depois aos humanos, dando origem à palavra “raça”. Outros julgam que a palavra se deriva de um vocábulo italiano, usado a partir do século XV, “razza”, significando espécie animal e vegetal e, posteriormente, estendendo-se para as famílias humanas, conforme sua geração e a continuidade de suas características físicas e psíquicas (ou seja, ganhando o sentido das antigas palavras etnia, genos e nação). Quando, no século XVI, para seqüestrar as fortunas das famílias judaicas da Península Ibérica, a fim de erguer um poderio náutico para criar impérios ultramarinos, a Inquisição inventou a expressão “limpeza de sangue”, significando a conversão dos judeus ao cristianismo. Com isso, a distinção religiosa, que separava judeus e cristãos, recebeu pela primeira vez um conteúdo étnico.
É interessante observar, porém, que a palavra “racial” surge apenas no século XIX, particularmente com a obra do francês Gobineau, que, inspirando-se na obra de Darwin, introduziu formalmente o termo “raça” para combater todas formas de miscigenação, estabelecendo distinções entre raças inferiores e superiores, a partir de características supostamente naturais. E, finalmente, foi apenas no século XX que surgiu a palavra “racismo”, que, conforme Houaiss, é uma crença fundada numa hierarquia entre raças, uma doutrina ou sistema político baseado no direito de uma raça, tida como pura e superior, de dominar as demais. Com isso, o racismo se torna preconceito contra pessoas julgadas inferiores e alimenta atitudes de extrema hostilidade contra elas, como a separação ou o apartamento total - o apartheid - e a destruição física do genos, isto é, o genocídio.
Seja no caso ibérico, seja no da colonização das Américas, seja no de Gobineau, seja no do apartheid, no do genocídio praticado pelo nazismo contra judeus, ciganos, poloneses e tchecos, ou o genocídio atual praticado pelos dirigentes do Estado de Israel contra os palestinos, a violência racista está determinada historicamente por condições materiais, isto é, econômicas e políticas. Em outras palavras, o racismo é uma ideologia das classes dominantes e dirigentes, interiorizada pelo restante da sociedade.
Ora, o fato de que no Brasil não tenha havido uma legislação apartheid, nem formas de discriminação como as existentes nos Estados Unidos, e que tenha havido miscigenação em larga escala, faz supor que, entre nós, não há racismo. O fato de que tenha sido necessária a promulgação da Lei Afonso Arinos e que o racismo tenha sido incluído pela Constituição de 1988 entre os crimes hediondos, deve levar-nos a tratar a suposição da inexistência do racismo num contexto mais amplo, qual seja, no de um mito poderoso, o da não-violência brasileira. Trata-se da imagem de um povo ordeiro, pacífico, generoso, alegre, sensual, solidário que desconhece o racismo, o sexismo, o machismo e o preconceito de classe, que respeita as diferenças étnicas, religiosas e políticas, não discrimina as pessoas por sua posição econômico-social nem por suas escolhas sexuais, etc.
2. O mito da não-violência brasileira
Por que mito?
Porque: a) um mito opera com antinomias, tensões e contradições que não podem ser resolvidas sem uma profunda transformação da sociedade no seu todo e que por isso são transferidas para uma solução imaginária, que torna suportável e justificável a realidade. Em suma, o mito nega e justifica a realidade negada por ele;
b) um mito cristaliza-se em crenças que são interiorizadas num grau tal que não são percebidas como crenças e sim tidas não só como uma explicação da realidade, mas como a própria realidade. Em suma, o mito substitui a realidade pela crença na realidade narrada por ele e torna invisível a realidade existente;
c) um mito resulta de ações sociais e produz como resultado outras ações sociais que o confirmam, isto é, um mito produz valores, idéias, comportamentos e práticas que o reiteram na e pela ação dos membros da sociedade. Em suma, o mito não é um simples pensamento, mas formas de ação;
d) um mito tem uma função apaziguadora e repetidora, assegurando à sociedade sua auto-conservação sob as transformações históricas. Isto significa que um mito é o suporte de ideologias: ele as fabrica para que possa, simultaneamente, enfrentar as mudanças históricas e negá-las, pois cada forma ideológica está encarregada de manter a matriz mítica inicial. No nosso caso, o mito fundador é exatamente o da não-violência essencial da sociedade brasileira.
Muitos indagarão como o mito da não-violência brasileira pode persistir sob o impacto da violência real, cotidiana, conhecida de todos e que, nos últimos tempos, é também ampliada por sua divulgação e difusão pelos meios de comunicação de massa. Ora, é justamente no modo de interpretação da violência que o mito encontra meios para conservar-se. Se fixarmos nossa atenção ao vocabulário empregado pelos mass media, observaremos que os vocábulos se distribuem de maneira sistemática:
- fala-se em chacina e massacre para referir-se ao assassinato em massa de pessoas indefesas, como crianças, favelados, encarcerados, sem-terra;
- fala-se em indistinção entre crime e polícia para referir-se à participação de forças policiais no crime organizado, particularmente o jogo do bicho, o narcotráfico e os seqüestros;
- fala-se em guerra civil tácita para referir-se ao movimento dos sem-terra, aos embates entre garimpeiros e índios, policiais e narcotraficantes, aos homicídios e furtos praticados em pequena e larga escala, mas também para referir-se ao aumento do contingente de desempregados e habitantes das ruas, aos assaltos coletivos a supermercados e mercados, e para falar dos acidentes de trânsito;
- fala-se em fraqueza da sociedade civil para referir-se à ausência de entidades e organizações sociais que articulem demandas, reivindicações, críticas e fiscalização dos poderes públicos;
- fala-se em debilidade das instituições políticas para referir-se à corrupção nos três poderes da república, à lentidão do poder judiciário, à falta de modernidade política;
- fala-se, por fim, em crise ética.
Essas imagens têm a função de oferecer uma imagem unificada da violência. Chacina, massacre, guerra civil tácita e indistinção entre polícia e crime pretendem ser o lugar onde a violência se situa e se realiza;fraqueza da sociedade civil, debilidade das instituições e crise ética são apresentadas como impotentes para coibir a violência. As imagens indicam a divisão entre dois grupos: de um lado, estão os grupos portadores de violência, e de outro, os grupos impotentes para combatê-la. Essas imagens baseiam-se em alguns mecanismos ideológicos por meio dos quais se dá a conservação da mitologia.
O primeiro mecanismo é o da exclusão: afirma-se que a nação brasileira é não-violenta e que, se houver violência, esta é praticada por gente que não faz parte da nação (mesmo que tenha nascido e viva no Brasil). O mecanismo da exclusão produz a diferença entre um nós-brasileiros-não-violentos e um eles-não-brasileiros-violentos. "Eles" não fazem parte do "nós".
O segundo é o da distinção: distingue-se o essencial e o acidental, isto é, por essência, os brasileiros não são violentos e, portanto, a violência é acidental, um acontecimento efêmero, passageiro, uma "epidemia" ou um "surto" localizado na superfície de um tempo e de um espaço definidos, superável e que deixa intacta nossa essência não-violenta.
O terceiro é jurídico: a violência fica circunscrita ao campo da delinquência e da criminalidade, o crime sendo definido como ataque à propriedade privada (furto, roubo e latrocínio). Esse mecanismo permite, por um lado, determinar quem são os "agentes violentos" (de modo geral, os pobres e, entre estes, os negros) e legitimar a ação da polícia contra a população pobre, os negros, as crianças de rua e os favelados. A ação policial pode ser, às vezes, considerada violenta, recebendo o nome de "chacina" ou "massacre" quando, de uma só vez e sem motivo, o número de assassinados é muito elevado. No restante das vezes, porém, o assassinato policial é considerado normal e natural, uma vez que se trata da proteger o "nós" contra o "eles".
Finalmente, o último mecanismo é o da inversão do real, graças à produção de máscaras que permitem dissimular comportamentos, idéias e valores violentos como se fossem não-violentos. Assim, por exemplo, o machismo é colocado como proteção à natural fragilidade feminina, proteção inclui a idéia de que as mulheres precisam ser protegidas de si próprias, pois, como todos sabem, o estupro é um ato feminino de provocação e sedução;o paternalismo branco é visto como proteção para auxiliar a natural inferioridade dos negros, os quais, como todos sabem, são indolentes e safados;a repressão contra os homossexuais é considerada proteção natural aos valores sagrados da família e, agora, da saúde e da vida de todo o gênero humano ameaçado pela Aids, trazida pelos degenerados, etc.. No caso desse mecanismo de inversão, foi sintomática a reação de uma parte da classe média diante do Prouni. De fato, muitos disseram, pasmem!, que se tratava de “opressão racial contra os brancos”, no momento da entrada na universidade, e de “estímulo ao ódio contra os negros”, durante a permanência universitária. Em suma, o Prouni seria a criação do racismo no Brasil!
Mais clara e ainda mais paradigmática do mecanismo da inversão é o que acaba de ocorrer com a Ministra Matilde Ribeiro pela entrevista concedida à BBC: para puni-la por todas as políticas de ações afirmativas e de criação democrática de direitos sociais, econômicos e culturais, para puni-la por sua luta contra a violência racial, os meios de comunicação de massa tentam transformá-la em agente da violência. Ora, ao isolar suas palavras do contexto, os defensores da “não-violência” praticam uma ato de violência psíquica, intelectual e política, pois deformam e traem o que ela disse. Usando essa violência, declaram que não há racismo no Brasil, a não ser este que, segundo eles, ela teria instituído. E, suprema ironia, um dos jornais atacantes e pretensamente não racista costumava referir-se a FHC como “presidente mulatre”!
Em resumo, no Brasil, a violência não é percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde se define como violência propriamente dita, isto é, como toda prática e toda idéia que reduz um sujeito à condição de coisa, que viola interior e exteriormente o ser de alguém, que perpetua relações sociais de profunda desigualdade econômica, social e cultural. Mais do que isto, a sociedade não percebe que as próprias explicações oferecidas são violentas porque está cega ao lugar efetivo de produção da violência, isto é, a estrutura da sociedade brasileira, que, em sua violência cotidiana, reitera, alimenta e repete o mito da não-violência.
3. Uma sociedade violenta
Conservando as marcas da sociedade colonial escravista, a sociedade brasileira é determinada pelo predomínio do espaço privado (ou os interesses econômicos) sobre o público e, tendo o centro na hierarquia familiar, é fortemente hierarquizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades, que reforçam a relação mando-obediência. O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como subjetividade nem como alteridade. As relações, entre os que julgam iguais, são de “parentesco”, isto é, de cumplicidade;e, entre os que são vistos como desiguais, o relacionamento toma a forma do favor, da clientela, da tutela ou da cooptação, e, quando a desigualdade é muito marcada, assume a forma da opressão. Há, assim, a naturalização das desigualdades econômicas e sociais, do mesmo modo que há naturalização das diferenças étnicas (consideradas desigualdades raciais entre superiores e inferiores), religiosas e de gênero, bem como naturalização de todas formas visíveis e invisíveis de violência.
A violência está de tal modo interiorizada nos corações e mentes que alguém pode usar a frase "um negro de alma branca" e não ser considerado racista. Pode referir-se aos serviçais domésticos com a frase "uma empregada ótima: conhece seu lugar” e considerar-se isento de preconceito de classe. Pode dizer, como disse certa vez Paulo Maluf, “a professorinha não deve gritar por salário, mas achar um marido mais eficiente” e não ser considerado machista.
Podemos resumir, simplificadamente, os principais traços de nossa violência social considerando a sociedade brasileira oligárquica, autoritária, vertical, hierárquica, polarizada entre a carência e o privilégio e com bloqueios e resistências à instituição dos direitos civis, econômicos, sociais e culturais.
Nossa sociedade conheceu a cidadania através de uma figura inédita: o senhor (de escravos)-cidadão, e concebe a cidadania com privilégio de classe, fazendo-a ser uma concessão da classe dominante às demais classes sociais, podendo ser-lhes retirada quando os dominantes assim o decidirem. O caso da mídia contra a Ministra Matilde exprime exatamente essa idéia de cidadania concedida e retirada ao sabor dos interesses dos dominantes. Pelo mesmo motivo, no caso das camadas populares, os direitos, em lugar de aparecerem como conquistas dos movimentos sociais organizados, são sempre apresentados como concessão e outorga feitas pelo Estado, dependendo da vontade pessoal ou do arbítrio do governante.
Em nossa sociedade, as diferenças e assimetrias sociais e pessoais são imediatamente transformadas em desigualdades, e estas, em relação de hierarquia, mando e obediência. Os indivíduos se distribuem imediatamente em superiores e inferiores, ainda que alguém superior numa relação possa tornar-se inferior em outras, dependendo dos códigos de hierarquização que regem as relações sociais e pessoais. Todas as relações tomam a forma da dependência, da tutela, da concessão e do favor. Isso significa que as pessoas não são vistas, de um lado, como sujeitos autônomos e iguais, e, de outro, como cidadãs e, portanto, como portadoras de direitos. É exatamente isso que faz a violência ser a regra da vida social e cultural. Violência tanto maior porque invisível sob o paternalismo e o clientelismo, considerados naturais e, por vezes, exaltados como qualidades positivas do "caráter nacional".
Nela, as leis sempre foram armas para preservar privilégios e o melhor instrumento para a repressão e a opressão, jamais definindo direitos e deveres concretos e compreensíveis para todos. Essa situação é claramente reconhecida pelos trabalhadores quando afirmam que "a justiça só existe para os ricos". O Poder Judiciário é claramente percebido como distante, secreto, representante dos privilégios das oligarquias e não dos direitos da generalidade social. Para os grandes, a lei é privilégio;para as camadas populares, repressão. A lei não figura o pólo público do poder e da regulação dos conflitos, nunca define direitos e deveres dos cidadãos porque, em nosso país, a tarefa da lei é a conservação de privilégios e o exercício da repressão. Por este motivo, as leis aparecem como inócuas, inúteis ou incompreensíveis, feitas para serem transgredidas e não para serem transformadas - situação violenta que é miticamente transformada num traço positivo, quando a transgressão é elogiada como “o jeitinho brasileiro”.
Em nossa sociedade, não existem nem a idéia nem a prática da representação política autêntica. Os partidos políticos tendem a ser clubes privados das oligarquias locais e regionais, sempre tomam a forma clientelística na qual a relação é de tutela e de favor. É uma sociedade, conseqüentemente, na qual a esfera pública nunca chega a constituir-se como pública, pois é definida sempre e imediatamente pelas exigências do espaço privado (isto é, dos interesses econômicos dos dominantes). A indistinção entre o público e o privado não é uma falha acidental que podemos corrigir, pois é a estrutura do campo social e do campo político que se encontra determinada por essa indistinção. É uma sociedade que por isso bloqueia a esfera pública da opinião como expressão dos interesses e dos direitos de grupos e classes sociais diferenciados eou antagônicos. Esse bloqueio não é um vazio ou uma ausência, mas um conjunto de ações determinadas que se traduzem numa maneira determinada de lidar com a esfera da opinião: os mass media monopolizam a informação, e o consenso é confundido com a unanimidade, de sorte que a discordância é posta como ignorância ou atraso.
As disputas pela posse da terra cultivada ou cultivável são resolvidas pelas armas e pelos assassinatos clandestinos. As desigualdades econômicas atingem a proporção do genocídio. Os negros são considerados infantis, ignorantes, safados, indolentes, raça inferior e perigosa, tanto assim, que numa inscrição gravada até há pouco tempo na entrada da Escola de Polícia de São Paulo dizia: "Um negro parado é suspeito;correndo, é culpado". Os índios, em fase final de extermínio, são considerados irresponsáveis (isto é, incapazes de cidadania), preguiçosos (isto é, mal-adaptáveis ao mercado de trabalho capitalista), perigosos, devendo ser exterminados ou, então, "civilizados" (isto é, entregues à sanha do mercado de compra e venda de mão-de-obra, mas sem garantias trabalhistas porque "irresponsáveis"). Os trabalhadores rurais e urbanos são considerados ignorantes, atrasados e perigosos, estando a polícia autorizada a parar qualquer trabalhador nas ruas, exigir a carteira de trabalho e prendê-lo "para averiguação", caso não esteja carregando identificação profissional (se for negro, além de carteira de trabalho, a polícia está autorizada a examinar-lhe as mãos para verificar se apresentam "sinais de trabalho" e a prendê-lo caso não encontre os supostos "sinais"). Há casos de mulheres que recorrem à Justiça por espancamento ou estupro, e são violentadas nas delegacias de polícia, sendo ali novamente espancadas e estupradas pelas “forças da ordem". Isto para não falarmos da tortura, nas prisões, de homossexuais, prostitutas e pequenos criminosos. Numa palavra, as classes populares carregam os estigmas da suspeita, da culpa e da incriminação permanentes. Essa situação é ainda mais aterradora quando nos lembramos de que os instrumentos criados durante a ditadura (1964-1975) para repressão e tortura dos prisioneiros políticos foram transferidos para o tratamento diário da população trabalhadora e que impera uma ideologia segundo a qual a miséria é causa de violência, as classes ditas "desfavorecidas" sendo consideradas potencialmente violentas e criminosas.
É uma sociedade na qual a estrutura da terra e a implantação da agroindústria criaram não só o fenômeno da migração, mas figuras novas na paisagem dos campos: os sem-terra, volantes, bóias-frias, diaristas sem contrato de trabalho e sem as mínimas garantias trabalhistas. Bóias-frias porque sua única refeição - entre as três da manhã e as sete da noite - consta de uma ração de arroz, ovo e banana, já frios, pois preparados nas primeiras horas do dia. E nem sempre o trabalhador pode trazer a bóia-fria, e os que não trazem se escondem dos demais, no momento da refeição, humilhados e envergonhados. É uma sociedade na qual a população das grandes cidades se divide entre um "centro" e uma "periferia", o termo periferia sendo usado não apenas no sentido espacial-geográfico, mas social, designando bairros afastados nos quais estão ausentes todos os serviços básicos (luz, água, esgoto, calçamento, transporte, escola, posto de atendimento médico). Condição, aliás, encontrada no "centro", isto é, nos bolsões de pobreza, os cortiços e as favelas. População cuja jornada de trabalho, incluindo o tempo gasto em transportes, dura de 14 a 15 horas, e, no caso das mulheres casadas, inclui o serviço doméstico e o cuidado com os filhos. É uma sociedade que não pode tolerar a manifestação explícita das contradições, justamente porque leva as divisões e desigualdades sociais ao limite e não pode aceitá-las de volta, sequer através da rotinização dos "conflitos de interesses" (à maneira das democracias liberais). Pelo contrário, a classe dominante exorciza o horror às contradições produzindo uma ideologia da indivisão e da união nacionais, a qualquer preço. Por isso recusa perceber e trabalhar os conflitos e contradições sociais, econômicas e políticas enquanto tais, uma vez que conflitos e contradições negam a imagem mítica da boa sociedade indivisa, pacífica e ordeira. Contradições e conflitos não são ignorados e sim recebem uma significação precisa: são considerados sinônimo de perigo, crise, desordem e a eles se oferece uma única resposta: a repressão policial e militar.
Nela vigora o fascínio pelos signos de prestígio e de poder, como se observa no uso de títulos honoríficos sem qualquer relação com a possível pertinência de sua atribuição, o caso mais corrente sendo o uso de "Doutor" quando, na relação social, o outro se sente ou é visto como superior ("doutor" é o substituto imaginário para os antigos títulos de nobreza);ou como se observa na importância dada à manutenção de criadagem doméstica, cujo número indica aumento de prestígio e de status, etc..
A desigualdade salarial entre homens e mulheres, entre brancos e negros, a exploração do trabalho infantil e dos idosos são consideradas normais. A existência dos sem-terra, dos sem-teto, dos desempregados é atribuída à ignorância, à preguiça e à incompetência dos "miseráveis". A existência de crianças de rua é vista como "tendência natural dos pobres à criminalidade". Os acidentes de trabalho são imputados à incompetência e ignorância dos trabalhadores. As mulheres que trabalham (se não forem professoras, enfermeiras ou assistentes sociais) são consideradas prostitutas em potencial e as prostitutas são tidas como degeneradas, perversas e criminosas, embora, infelizmente, indispensáveis para conservar a santidade da família.
A sociedade brasileira está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia.
4. Democracia: criação de direitos
De fato, uma sociedade é democrática quando institui algo profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos. Essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática realiza-se socialmente como luta social e, politicamente, como um contra-poder social que determina, dirige, controla, limita e modifica a ação estatal e o poder dos governantes. Fundada na noção de direitos, a democracia está apta a diferenciá-los de privilégios e carências.
Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma carência é uma falta também particular ou específica que desemboca numa demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias).
Uma das práticas mais importantes da política democrática consiste justamente em propiciar ações capazes de unificar a dispersão e a particularidade das carências em interesses comuns e, graças a essa generalidade, fazê-las alcançar a esfera universal dos direitos. Em outras palavras, privilégios e carências determinam a desigualdade econômica, social e política, contrariando o princípio democrático da igualdade, de sorte que a passagem das carências dispersas em interesse comuns e destes aos direitos é a luta pela igualdade. Avaliamos o alcance da cidadania popular quando tem força para desfazer privilégios, seja porque os faz passar a interesses comuns, seja porque os faz perder a legitimidade diante dos direitos e também quando tem força para fazer carências passarem à condição de interesses comuns e, destes, a direitos universais.
É neste contexto que a práxis da ministra Matilde precisa ser percebida e compreendida. É inconcebível que seu papel na instituição da democracia no Brasil possa ser diminuído ou contestado seja lá por quem for e muito menos pelos agentes da violência institucionalizada neste país.

Marilena Chauí é filósofa e professora da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH)