Anderson Campos[1]
Ao tratarmos sobre a juventude brasileira, geralmente discutimos os problemas sociais que atingem essa faixa etária – drogadição, violência, educação, desemprego e um conjunto de opressões – e, também, as saídas para superação dos mesmos: políticas públicas, participação política, geração de emprego e renda etc. Em nossas teses, geralmente tratamos o papel das organizações da juventude e as políticas públicas de juventude como os dois grandes centros do debate. Mas, sobre qual juventude tratamos quando nos referimos à organização partidária? Será que a juventude petista pode assumir o papel de ser referência da maioria dos(as) jovens do país, ou seja, dos(as) jovens oriundos da classe trabalhadora? Para ajudar nesse debate, apresento, aqui, uma caracterização sobre quem são os(as) jovens brasileiros[2]. A partir disso, pretendo provocar o debate acerca do âmbito da disputa de hegemonia. Em outras palavras, tentarei situar o lugar da juventude nessa disputa.
Esse texto divide-se em três partes. Primeiramente, realizo um esforço para demonstrar a necessidade de um recorte de classe do(a) jovem brasileiro(a). Argumento que a maioria dos(as) nossos(as) jovens são pobres, filhos(as) da classe trabalhadora. Em seguida, discuto os impactos dessa condição social sobre a cultura política, organizada a partir da ideologia da classe dominante. Por fim, apresento provocações aos(às) jovens dirigentes dos movimentos sociais e que são militantes do Partido dos Trabalhadores em relação às possibilidades de travar a disputa de hegemonia, absolutamente necessária, mas secundarizada frente à teimosia pragmática.
1. Um recorte de classe para a juventude
As características do mercado de trabalho brasileiro, com suas altas taxas de desemprego e profunda precarização, têm impacto intenso sobre a inserção ocupacional dos jovens[3]. As mutações sofridas nas relações de trabalho e no papel do Estado no período de hegemonia neoliberal no Brasil produziram efeitos devastadores sobre o padrão dessa inserção, consolidando a juventude como o segmento mais vulnerável.
Os anos 1990 foram marcados pela expansão do desemprego aberto, da precarização das relações de trabalho e do desassalariamento. Os jovens trabalhadores foram mais fortemente afetados por esse processo. A diminuição da renda dos salários, o aumento do desemprego e a diminuição da responsabilidade do Estado sobre a oferta de educação pública de qualidade provocaram maior entrada de jovens no mercado trabalho. Ocorre aumento substancial do excedente da força de trabalho, acentuando a concorrência em condições ainda mais desfavoráveis. Trata-se de uma mão-de-obra mais desqualificada e com menor experiência. Em um mercado de trabalho altamente flexibilizado, o segmento mais frágil torna-se a principal vítima dos mecanismos de precarização: rotatitividade, informalidade, contratos temporários, portanto, ausentes de proteção social.
O processo de flexibilização da gestão da força de trabalho abrange, no caso brasileiro, quatro dimensões: da remuneração, do tipo de vínculo, da jornada de trabalho e do papel das instituições públicas (Krein, 2007, p.14). A partir de tais dimensões, podemos sistematizar da seguinte forma a caracterização do padrão de inserção ocupacional do jovem no mercado de trabalho brasileiro[4]:
· Jovens de 16 a 17 anos: apresentam maior dificuldade de inserção ocupacional e os maiores sinais de precarização; cerca de 30% dos ocupados nesta faixa etária estão em ocupações sem rendimento monetário;
· Jovens de 18 a 20 anos: apresentam crescimento na ocupação na administração pública (6% a.a. – 2002 a 2005); perderam em serviços tradicionais oferecidos pelo Estado (educação, saúde, serviços sociais);
· Jovens de 21 a 24 anos: ocupação amplia-se com maior dinamismo (3,3% a.a. – 2002 a 2005); ampliação do emprego com carteira.
· Ocupação juvenil: trabalhos manuais (na cidade e no campo), de auxílio administrativo, de atendimento ao público.
· Remuneração: baixa, sendo que 83,5% percebem no máximo o equivalente a 2 salários mínimos em 2005.
· Os jovens de famílias com maior poder aquisitivo têm inserção melhor no mercado de trabalho: em 2005 verificou-se que a formalização na contratação é maior na medida em que aumenta a renda familiar. Isso vale também em relação aos rendimentos: a renda dos jovens ocupados é maior quanto mais elevado é o total de rendimentos das famílias.
· Posição na ocupação: precariedade dos vínculos, com baixa participação no emprego formal (menos de 14% do total das ocupações);
· Pobreza rural: entre os principais ramos onde estavam ocupados os jovens pobres em 2005, metade dos com idade entre 16 e 17 anos, 44% dos com 18 a 20 anos e 39% dos que tinham entre 21 e 24 anos trabalhavam no ramo agrícola.
· A maioria não consegue conciliar estudo e trabalho. A proporção dos jovens ocupados que somente trabalham é maior que a proporção de jovens que estuda e trabalha; a dificuldade é maior nas famílias de baixa renda.
· A jornada de trabalho média semanal é muito alta para o conjunto dos jovens ocupados, ao se considerar a possibilidade de conciliar trabalho e estudo.
Percebemos um claro recorte a partir da origem dos jovens. Em geral, todos enfrentam maiores dificuldades para entrar no mercado de trabalho. Para os que são oriundos de famílias com maior poder aquisitivo, o jovem ocupado possui ensino médio completo, tem dificuldade de conciliar estudo e trabalho, desenvolve suas atividades no setor de serviços, cumpre uma extensa jornada de trabalho, é assalariado, tem carteira de trabalho assinada e rendimento situado entre 1 e 2 salários mínimos. A realidade dos que têm origem em famílias pobres é bem diferente: a maioria apenas trabalha e não estuda, possui ensino fundamental incompleto e recebe rendimentos médios inferiores a 1 salário mínimo (DIEESE, 2006).
Apenas 14% da população ocupada juvenil está no mercado formal. Isso significa que a absoluta maioria de jovens está em ocupações informais, portanto submetida a padrões de contratação e remuneração que estão à margem da legislação do trabalho e de qualquer proteção das instituições públicas e dos sindicatos.
Trata-se de uma tendência que se desenvolve sem resistências substanciais, pois os impactos culturais dessa condição instável consolidam a efemeridade como modo de vida[5].
As dificuldades de inserção e permanência no mercado de trabalho se impõem como obstáculos para grandes camadas de trabalhadores. Para os trabalhadores adultos, a situação já era bastante difícil e, para os jovens, a situação é de alta dramaticidade. O signo “menos” passa a configurar como marca central do jovem que consegue inserir-se: “ele ganha menos, ele tem menos direitos, não tem nenhuma garantia sobre a duração do emprego que ocupa e sua eventual recondução” (Martins, 1997, p.100).
Nos anos 1990, as opções que restaram à juventude foram aquelas impostas pelos limites estruturais desse mercado e pela estagnação econômica que incapacitou possibilidades de geração de emprego. Sob orientações do Banco Mundial[6], divulgou-se a idéia de que as únicas alternativas seriam a incansável busca da empregabilidade e a aposta no empreendedorismo.
A idéia de empregabilidade afirma a lógica que o desemprego é problema do trabalhador e não da estagnação econômica. É ele que precisa se qualificar para poder melhor competir com outros. O problema do desemprego juvenil, por esse ponto de vista, seria questão de defasagem entre o seu aprendizado e o perfil desejado pelo mercado. A exigência pela qualificação aumentou por causa da concorrência e não como garantia de emprego.
Gori (2007) identifica que entre 1999-2006, ocorreu uma redução tênue da taxa de desemprego em praticamente todos os grupos sociais. Porém, aumentou entre os jovens com 3º grau de escolaridade. Ribeiro (2007), analisando os dados da PNAD 2006, conclui que o desemprego entre jovens tem aumentado mesmo aumentando, também, o nível de escolaridade desses mesmos jovens. Essa realidade demonstra a insuficiência do argumento da empregabilidade como alternativa plausível de combate ao desemprego. Segundo Pochmann (2000), no caso dos que conquistam um posto de trabalho, a instabilidade do padrão ocupacional do jovem ocorre apesar da elevação da taxa de escolaridade[7].
O empreendendorismo[8], que também reforça a idéia de que a única saída possível é a individual, busca incentivar os jovens a montarem seus próprios negócios e, assim, criarem condições para melhor concorrer no mercado. Dada a condição social da maioria da juventude brasileira, tal alternativa é capaz de produzir como resultado apenas o aprofundamento da sua situação instável e precária.
Ribeiro (2007), ao analisar a condição de atividade do jovem no período de 2002 a 2005, identifica o círculo vicioso da relação renda familiar/inserção do jovem:
Os dados da PNAD mostram que os jovens oriundos de famílias com renda média per capita de até 1 salário mínimo correspondiam a quase 60% dos jovens do país em 2005, e ainda, que um terço dos jovens viviam abaixo da linha de pobreza naquele ano. Chama a atenção que mesmo entre os ocupados, 26,5% permaneciam abaixo da linha de pobreza oficial, enquanto cerca de 40% dos jovens desempregados estavam na mesma situação de renda familiar. Ainda que parte importante da pobreza esteja relacionada aos baixos salários característicos do mercado de trabalho de algumas regiões do país (norte e nordeste principalmente), o desemprego pode ser considerado o principal determinante da pobreza e o grande responsável por sua reprodução após a década de 90.
Estamos falando, portanto, da realidade da maioria da população juvenil, qual seja, esses 60% que tem origem em famílias com renda média per capita de até 1 salário mínimo. Para esta maioria, não há opção de estudar. Ele está condenado ao trabalho o mais precocemente possível, dada a sua necessidade de sobrevivência. Para estes, a única possibilidade de inserção são ocupações precárias.
(...) a necessidade extrema de trabalhar, de ganhar a vida, faz com que os jovens com as piores condições de vida, sejam obrigados a aceitar as piores condições de trabalho. O jovem, e na verdade o trabalhador de qualquer idade, que é eventual ou sistematicamente recusado pelo mercado de trabalho, independente do motivo para essa recusa, não tem força de barganha nem meios de vida garantidos. E isso os obriga a deixar de lado direitos, reivindicações e expectativas na hora de estabelecer uma relação de trabalho. Assim, o destino do trabalhador desempregado, no que se refere a conseguir um trabalho assalariado e à qualidade dessa relação de trabalho, depende em grande medida de sua situação de vida. Quanto piores as condições de vida menores as chances de conseguir um bom emprego (Sochaczewski, 2007: 131).
2. Impactos sobre a cultura política
A relação capital-trabalho sofreu alterações profundas na década de 1990. As mutações no mercado de trabalho e no papel do Estado produziram desastrosos impactos sobre os princípios da coletividade e da solidariedade. A imensa massa de indivíduos não inseridos ficam à mercê da insegurança social, tornando-se o símbolo negativo de um mundo violento e instável.
Ao mesmo tempo, uma mudança cultural se impõe sobre a sociedade global, com impactos desastrosos sobre a juventude: o conjunto dos trabalhadores percebem-se cada vez mais como consumidores, quando antes se identificavam como produtores.
Instabilidade, precariedade, desemprego recorrente são algumas das formas de caracterizar a situação do jovem trabalhador. Sua entrada no mercado de trabalho, cada vez mais precoce, desabilita-o a ter acesso à formação educacional e aos bens culturais. Condição apoiada e promovida pelo desmonte do aparato educacional público na década neoliberal, acompanhado pelo crescimento da violência urbana e no campo.
Os impactos desse contexto sobre a cultura política são desastrosos. Os valores e práticas políticas que advém dessa condição social contribuem para a manutenção do estado presente das coisas. São valores formados historicamente e não escolhas individuais e autônomas. Dessa forma, as saídas individuais não constituem alternativa coerente. O papel do Partido é imprescindível para produzir as alterações necessárias. Na análise de Gramsci, é no terreno da subjetividade onde se formam os valores e as crenças que fundamentam o consenso capaz de dar equilíbrio à ordem desigual, ao poder[9].
É fundamental, antes de tudo, compreender quem é esse jovem, seus modos de vida e suas perspectivas, para, assim, construir as ferramentas mais adequadas para uma estratégia de organização.
Antes, é preciso salientar que não temos acordo com avaliações que sugerem uma rebeldia natural da juventude ou o outro lado do exagero, segundo o qual a ideologia capitalista conquistou corações e mentes da juventude, blindada em sua alienação. Ambas são visões conservadoras que em nada ajudam a pensar os desafios da disputa social entre projetos antagônicos de sociedade. Por um lado, o jovem recebe um turbilhão de informações conservadoras vindas de todos os espaços pelos quais circula. Mesmo assim, existe potencial de construção de uma visão mais progressista e crítica sobre as opressões sociais. Visão essa que geralmente se perde com o passar do tempo, quando ela não é mais alimentada por qualquer instrumento capaz de se contrapor aos códigos sociais dominantes.
Se não existirem formas – sejam elas organizadas ou difusas – de contraposição aos códigos sociais conservadores, com o passar do tempo, as poucas brechas progressistas dão espaço à conformação e aceitação das opressões sociais, do hedonismo e do individualismo como instrumentos de subserviência de um adulto padrão.
O problema da participação da juventude em movimentos sociais e em ações coletivas não se resume aos movimentos tidos como tradicionais. Não apenas nos movimentos sindical e estudantil se verificam as dificuldades de identificação com as organizações e as ações políticas. Importante estudo sobre a militância de jovens nos anos 1990 – período marcado pelo refluxo dos movimentos sociais e extrema despolitização – conclui que mesmo a participação em movimentos novos , mas em um contexto desfavorável, não possui significado emancipatório, chegando mesmo a ser “simples defesa de interesses particulares” (Souza, 1999: 198). São jovens inseridos em uma geração individualista, o que apresenta, por si só, importante limitação para a produção do novo.
Engajados no movimento social, os jovens se valorizam e se apropriam de sua juventude, em um contexto desfavorável para tal, sob a hegemonia do mundo das mercadorias. A opção pelo coletivo nos leva a indagar os limites da “civilização dos negócios”, que marca uma das expressões do globalismo, que comprime o tempo, abreviando a juventude no que tem de sonho e liberdade, prolongando-a no que tem de estilo de vida e de consumo, de falsa liberdade. Mais do que uma despolitização, tal “civilização” politiza para a competição, para o egoísmo (Souza, op. cit., p.201).
A recente emergência da participação popular de jovens, concomitante ao surgimento de atores políticos novos, trazem à tona um estilo de participação alternativa aos padrões institucionais. Isto ocorre num contexto de saturação das instituições tradicionais de representação e organização política (partidos políticos, sindicatos), somado a um contexto cultural no qual há o desejo de não transferir para um futuro distante o sonho de uma sociedade transformada, mas sim tratar de realiza-la na prática da luta cotidiana pela sobrevivência (Kärner, 1987). Ocorre a emergência de canais de participação que acompanham a tendência a cair em reivindicações imediatistas e corporativistas (Offe, 1984, p.370). Trata-se de uma resistência em conformidade com o jogo. Com isso, fundamenta-se a ética do instante, segundo a qual, há a supremacia do carpe diem enquanto aspecto fulcral de uma cultura política baseada no imediatismo (Campos, 2000).
3. Juventude e luta de classes
O papel das lideranças políticas é imprescindível para alterar a correlação de forças na sociedade em relação à disputa de hegemonia sobre a juventude e, conseqüentemente, definir rumos na construção de uma outra sociedade. Para Gramsci, o papel das lideranças políticas que, pela qualidade de suas iniciativas e dos modelos político-culturais que lhes correspondem, podem introduzir as inovações necessárias à fundação da nova sociedade (Moisés, 1995, p.90). Se existe a dominação da indústria cultural, que impõe os códigos e as normas dominantes necessários à manutenção do sistema no qual vivemos (individualismo, consumismo. conformismo), no campo da cultura a luta de classes também deve ocorrer. É esse um dos principais campos de significação para a juventude. E, como afirma Foucault, todo poder provoca resistência.
Trata-se, portanto, de tarefa emergencial para as lideranças políticas transformar esse campo em mecanismo de questionamento, criatividade e ação coletiva. Significa disputa de valores. Os valores do socialismo democrático estão presentes nas greves e nas passeatas. Mas hoje essas ações não são suficientes para conquistar corações e mentes juvenis. O poder midiático e da cultura de massa, a educação voltada para a competitividade, a cotidiana quebra de laços de solidariedade, dentre muitos outros, são ferramentas bastante poderosas e eficazes para a adaptação. As dificuldades para a confrontação nesse campo são imensas.
Por outro lado, está claro que a condição social da juventude, sob nosso ponto de vista, é resultado mais geral da vida na sociedade capitalista. A luta por sua superação, portanto, não pode prescindir de uma profunda identidade de classe. Essa é uma tarefa necessária para um partido de trabalhadores. Ao organizamos as frentes de luta juvenis, sejam elas estudantis, ecológicas, artísticas, sindicais, na execução de políticas públicas, feministas dentre muitas outras, não dissociamos a agenda anti-capitalista.
O terreno da luta pelo socialismo se desenvolve a partir de estratégias que visem a construção de uma nova hegemonia. A busca de uma nova cultura política está associada diretamente a esta construção. Iniciativas de organização de jovens que limitam-se à conformidade do jogo político, mas que não formam gerações novas, pouco contribuem para a resistência e podem até mesmo ser conservadoras. Torna-se resistir para sobreviver.
O pensar sobre a juventude contemporânea deve considerar o contexto e o que ele impõe de significados para os modos de vida e para a cultura política. Essa consideração também deve levar em conta que não se trata de engessamento de uma visão de mundo, pois a cultura não é estática: ela é produzida por homens e mulheres, com capacidades de transfigurá-la, seja para a conservação, seja para a emancipação social. Cabe às organizações políticas que compartilham deste último objetivo potencializar tais capacidades.
A questão que insiste é: o que as organizações políticas conduzidas por jovens e para os(as) jovens têm feito rumo à disputa da hegemonia? Como contribuem para a luta de classes? As repostas precisam, para serem coerentes, corresponder à superação da realidade da juventude brasileira. Distante disso, seremos militantes com a ilusão de que construímos algo, mas não conseguimos mexer o chão no qual pisamos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo (CESIT/Unicamp), assessor político-sindical da CUT Nacional.
[2] Para essa caracterização, utilizo informações organizadas em Campos (2007b).
[3] Recorremos ao conceito de padrão de inserção ocupacional para compreender a situação do jovem trabalhador no Brasil no atual contexto do mercado de trabalho e da política econômica do país. Segundo Pochmann (2000), o padrão de inserção ocupacional do jovem permite identificar as distintas trajetórias da população juvenil, a partir da decisão de ingresso no mercado de trabalho (emprego ou desemprego) ou não (inatividade). Por conta disso, o conceito de padrão de inserção ocupacional é indispensável nas análises sobre a situação da população jovem (p.62)
[4] DIEESE (2006 e 2007), Ribeiro (2007), Pochmann (2007, ), Proni & Ribeiro (2007),
[5] Harvey (2003) define os contornos culturais da vida contemporânea, marcados pelo efêmero e pelo simulacro, como conseqüências da crise do capitalismo, refutando as idéias do surgimento do pós-capitalismo. Essa lógica cultural é, ao mesmo tempo, conseqüência e base de manutenção da dinâmica própria do capitalismo.
[6] Para compreensão do papel dos organismos multilaterais (Banco Mundial, FMI, OMC, OCDE) sobre a formulação de políticas de emprego adequadas ao ajuste neoliberal, ver Gimenez, 2007.
[7] O autor observa o crescimento da marginalização do jovem no mercado de trabalho. Tipifica quatro categorias de desemprego juvenil: de inserção, recorrente, de reestruturação e de exclusão.
[8] É necessário destacar que o empreendendorismo receitado pelo Banco Mundial aos governos nacionais difere-se daqueles tipos de empreendimentos solidários que defendemos como alternativas às relações capitalistas de produção. Para esse organismo internacional, deve-se incentivar a construção de pequenos negócios como alternativa individual ao desemprego. Por razões de espaço, não esboçaremos aqui esse debate.
[9] Ao introduzir o conceito de hegemonia política, Gramsci sugeriu que a formação de um bloco histórico (um modelo político-cultural abrangente pelo qual as elites dirigentes procuram exercer influência e poder na sociedade) começa no terreno das ideologias, ou seja, na esfera em que as classes tomam consciência da sua realidade.
Ao tratarmos sobre a juventude brasileira, geralmente discutimos os problemas sociais que atingem essa faixa etária – drogadição, violência, educação, desemprego e um conjunto de opressões – e, também, as saídas para superação dos mesmos: políticas públicas, participação política, geração de emprego e renda etc. Em nossas teses, geralmente tratamos o papel das organizações da juventude e as políticas públicas de juventude como os dois grandes centros do debate. Mas, sobre qual juventude tratamos quando nos referimos à organização partidária? Será que a juventude petista pode assumir o papel de ser referência da maioria dos(as) jovens do país, ou seja, dos(as) jovens oriundos da classe trabalhadora? Para ajudar nesse debate, apresento, aqui, uma caracterização sobre quem são os(as) jovens brasileiros[2]. A partir disso, pretendo provocar o debate acerca do âmbito da disputa de hegemonia. Em outras palavras, tentarei situar o lugar da juventude nessa disputa.
Esse texto divide-se em três partes. Primeiramente, realizo um esforço para demonstrar a necessidade de um recorte de classe do(a) jovem brasileiro(a). Argumento que a maioria dos(as) nossos(as) jovens são pobres, filhos(as) da classe trabalhadora. Em seguida, discuto os impactos dessa condição social sobre a cultura política, organizada a partir da ideologia da classe dominante. Por fim, apresento provocações aos(às) jovens dirigentes dos movimentos sociais e que são militantes do Partido dos Trabalhadores em relação às possibilidades de travar a disputa de hegemonia, absolutamente necessária, mas secundarizada frente à teimosia pragmática.
1. Um recorte de classe para a juventude
As características do mercado de trabalho brasileiro, com suas altas taxas de desemprego e profunda precarização, têm impacto intenso sobre a inserção ocupacional dos jovens[3]. As mutações sofridas nas relações de trabalho e no papel do Estado no período de hegemonia neoliberal no Brasil produziram efeitos devastadores sobre o padrão dessa inserção, consolidando a juventude como o segmento mais vulnerável.
Os anos 1990 foram marcados pela expansão do desemprego aberto, da precarização das relações de trabalho e do desassalariamento. Os jovens trabalhadores foram mais fortemente afetados por esse processo. A diminuição da renda dos salários, o aumento do desemprego e a diminuição da responsabilidade do Estado sobre a oferta de educação pública de qualidade provocaram maior entrada de jovens no mercado trabalho. Ocorre aumento substancial do excedente da força de trabalho, acentuando a concorrência em condições ainda mais desfavoráveis. Trata-se de uma mão-de-obra mais desqualificada e com menor experiência. Em um mercado de trabalho altamente flexibilizado, o segmento mais frágil torna-se a principal vítima dos mecanismos de precarização: rotatitividade, informalidade, contratos temporários, portanto, ausentes de proteção social.
O processo de flexibilização da gestão da força de trabalho abrange, no caso brasileiro, quatro dimensões: da remuneração, do tipo de vínculo, da jornada de trabalho e do papel das instituições públicas (Krein, 2007, p.14). A partir de tais dimensões, podemos sistematizar da seguinte forma a caracterização do padrão de inserção ocupacional do jovem no mercado de trabalho brasileiro[4]:
· Jovens de 16 a 17 anos: apresentam maior dificuldade de inserção ocupacional e os maiores sinais de precarização; cerca de 30% dos ocupados nesta faixa etária estão em ocupações sem rendimento monetário;
· Jovens de 18 a 20 anos: apresentam crescimento na ocupação na administração pública (6% a.a. – 2002 a 2005); perderam em serviços tradicionais oferecidos pelo Estado (educação, saúde, serviços sociais);
· Jovens de 21 a 24 anos: ocupação amplia-se com maior dinamismo (3,3% a.a. – 2002 a 2005); ampliação do emprego com carteira.
· Ocupação juvenil: trabalhos manuais (na cidade e no campo), de auxílio administrativo, de atendimento ao público.
· Remuneração: baixa, sendo que 83,5% percebem no máximo o equivalente a 2 salários mínimos em 2005.
· Os jovens de famílias com maior poder aquisitivo têm inserção melhor no mercado de trabalho: em 2005 verificou-se que a formalização na contratação é maior na medida em que aumenta a renda familiar. Isso vale também em relação aos rendimentos: a renda dos jovens ocupados é maior quanto mais elevado é o total de rendimentos das famílias.
· Posição na ocupação: precariedade dos vínculos, com baixa participação no emprego formal (menos de 14% do total das ocupações);
· Pobreza rural: entre os principais ramos onde estavam ocupados os jovens pobres em 2005, metade dos com idade entre 16 e 17 anos, 44% dos com 18 a 20 anos e 39% dos que tinham entre 21 e 24 anos trabalhavam no ramo agrícola.
· A maioria não consegue conciliar estudo e trabalho. A proporção dos jovens ocupados que somente trabalham é maior que a proporção de jovens que estuda e trabalha; a dificuldade é maior nas famílias de baixa renda.
· A jornada de trabalho média semanal é muito alta para o conjunto dos jovens ocupados, ao se considerar a possibilidade de conciliar trabalho e estudo.
Percebemos um claro recorte a partir da origem dos jovens. Em geral, todos enfrentam maiores dificuldades para entrar no mercado de trabalho. Para os que são oriundos de famílias com maior poder aquisitivo, o jovem ocupado possui ensino médio completo, tem dificuldade de conciliar estudo e trabalho, desenvolve suas atividades no setor de serviços, cumpre uma extensa jornada de trabalho, é assalariado, tem carteira de trabalho assinada e rendimento situado entre 1 e 2 salários mínimos. A realidade dos que têm origem em famílias pobres é bem diferente: a maioria apenas trabalha e não estuda, possui ensino fundamental incompleto e recebe rendimentos médios inferiores a 1 salário mínimo (DIEESE, 2006).
Apenas 14% da população ocupada juvenil está no mercado formal. Isso significa que a absoluta maioria de jovens está em ocupações informais, portanto submetida a padrões de contratação e remuneração que estão à margem da legislação do trabalho e de qualquer proteção das instituições públicas e dos sindicatos.
Trata-se de uma tendência que se desenvolve sem resistências substanciais, pois os impactos culturais dessa condição instável consolidam a efemeridade como modo de vida[5].
As dificuldades de inserção e permanência no mercado de trabalho se impõem como obstáculos para grandes camadas de trabalhadores. Para os trabalhadores adultos, a situação já era bastante difícil e, para os jovens, a situação é de alta dramaticidade. O signo “menos” passa a configurar como marca central do jovem que consegue inserir-se: “ele ganha menos, ele tem menos direitos, não tem nenhuma garantia sobre a duração do emprego que ocupa e sua eventual recondução” (Martins, 1997, p.100).
Nos anos 1990, as opções que restaram à juventude foram aquelas impostas pelos limites estruturais desse mercado e pela estagnação econômica que incapacitou possibilidades de geração de emprego. Sob orientações do Banco Mundial[6], divulgou-se a idéia de que as únicas alternativas seriam a incansável busca da empregabilidade e a aposta no empreendedorismo.
A idéia de empregabilidade afirma a lógica que o desemprego é problema do trabalhador e não da estagnação econômica. É ele que precisa se qualificar para poder melhor competir com outros. O problema do desemprego juvenil, por esse ponto de vista, seria questão de defasagem entre o seu aprendizado e o perfil desejado pelo mercado. A exigência pela qualificação aumentou por causa da concorrência e não como garantia de emprego.
Gori (2007) identifica que entre 1999-2006, ocorreu uma redução tênue da taxa de desemprego em praticamente todos os grupos sociais. Porém, aumentou entre os jovens com 3º grau de escolaridade. Ribeiro (2007), analisando os dados da PNAD 2006, conclui que o desemprego entre jovens tem aumentado mesmo aumentando, também, o nível de escolaridade desses mesmos jovens. Essa realidade demonstra a insuficiência do argumento da empregabilidade como alternativa plausível de combate ao desemprego. Segundo Pochmann (2000), no caso dos que conquistam um posto de trabalho, a instabilidade do padrão ocupacional do jovem ocorre apesar da elevação da taxa de escolaridade[7].
O empreendendorismo[8], que também reforça a idéia de que a única saída possível é a individual, busca incentivar os jovens a montarem seus próprios negócios e, assim, criarem condições para melhor concorrer no mercado. Dada a condição social da maioria da juventude brasileira, tal alternativa é capaz de produzir como resultado apenas o aprofundamento da sua situação instável e precária.
Ribeiro (2007), ao analisar a condição de atividade do jovem no período de 2002 a 2005, identifica o círculo vicioso da relação renda familiar/inserção do jovem:
Os dados da PNAD mostram que os jovens oriundos de famílias com renda média per capita de até 1 salário mínimo correspondiam a quase 60% dos jovens do país em 2005, e ainda, que um terço dos jovens viviam abaixo da linha de pobreza naquele ano. Chama a atenção que mesmo entre os ocupados, 26,5% permaneciam abaixo da linha de pobreza oficial, enquanto cerca de 40% dos jovens desempregados estavam na mesma situação de renda familiar. Ainda que parte importante da pobreza esteja relacionada aos baixos salários característicos do mercado de trabalho de algumas regiões do país (norte e nordeste principalmente), o desemprego pode ser considerado o principal determinante da pobreza e o grande responsável por sua reprodução após a década de 90.
Estamos falando, portanto, da realidade da maioria da população juvenil, qual seja, esses 60% que tem origem em famílias com renda média per capita de até 1 salário mínimo. Para esta maioria, não há opção de estudar. Ele está condenado ao trabalho o mais precocemente possível, dada a sua necessidade de sobrevivência. Para estes, a única possibilidade de inserção são ocupações precárias.
(...) a necessidade extrema de trabalhar, de ganhar a vida, faz com que os jovens com as piores condições de vida, sejam obrigados a aceitar as piores condições de trabalho. O jovem, e na verdade o trabalhador de qualquer idade, que é eventual ou sistematicamente recusado pelo mercado de trabalho, independente do motivo para essa recusa, não tem força de barganha nem meios de vida garantidos. E isso os obriga a deixar de lado direitos, reivindicações e expectativas na hora de estabelecer uma relação de trabalho. Assim, o destino do trabalhador desempregado, no que se refere a conseguir um trabalho assalariado e à qualidade dessa relação de trabalho, depende em grande medida de sua situação de vida. Quanto piores as condições de vida menores as chances de conseguir um bom emprego (Sochaczewski, 2007: 131).
2. Impactos sobre a cultura política
A relação capital-trabalho sofreu alterações profundas na década de 1990. As mutações no mercado de trabalho e no papel do Estado produziram desastrosos impactos sobre os princípios da coletividade e da solidariedade. A imensa massa de indivíduos não inseridos ficam à mercê da insegurança social, tornando-se o símbolo negativo de um mundo violento e instável.
Ao mesmo tempo, uma mudança cultural se impõe sobre a sociedade global, com impactos desastrosos sobre a juventude: o conjunto dos trabalhadores percebem-se cada vez mais como consumidores, quando antes se identificavam como produtores.
Instabilidade, precariedade, desemprego recorrente são algumas das formas de caracterizar a situação do jovem trabalhador. Sua entrada no mercado de trabalho, cada vez mais precoce, desabilita-o a ter acesso à formação educacional e aos bens culturais. Condição apoiada e promovida pelo desmonte do aparato educacional público na década neoliberal, acompanhado pelo crescimento da violência urbana e no campo.
Os impactos desse contexto sobre a cultura política são desastrosos. Os valores e práticas políticas que advém dessa condição social contribuem para a manutenção do estado presente das coisas. São valores formados historicamente e não escolhas individuais e autônomas. Dessa forma, as saídas individuais não constituem alternativa coerente. O papel do Partido é imprescindível para produzir as alterações necessárias. Na análise de Gramsci, é no terreno da subjetividade onde se formam os valores e as crenças que fundamentam o consenso capaz de dar equilíbrio à ordem desigual, ao poder[9].
É fundamental, antes de tudo, compreender quem é esse jovem, seus modos de vida e suas perspectivas, para, assim, construir as ferramentas mais adequadas para uma estratégia de organização.
Antes, é preciso salientar que não temos acordo com avaliações que sugerem uma rebeldia natural da juventude ou o outro lado do exagero, segundo o qual a ideologia capitalista conquistou corações e mentes da juventude, blindada em sua alienação. Ambas são visões conservadoras que em nada ajudam a pensar os desafios da disputa social entre projetos antagônicos de sociedade. Por um lado, o jovem recebe um turbilhão de informações conservadoras vindas de todos os espaços pelos quais circula. Mesmo assim, existe potencial de construção de uma visão mais progressista e crítica sobre as opressões sociais. Visão essa que geralmente se perde com o passar do tempo, quando ela não é mais alimentada por qualquer instrumento capaz de se contrapor aos códigos sociais dominantes.
Se não existirem formas – sejam elas organizadas ou difusas – de contraposição aos códigos sociais conservadores, com o passar do tempo, as poucas brechas progressistas dão espaço à conformação e aceitação das opressões sociais, do hedonismo e do individualismo como instrumentos de subserviência de um adulto padrão.
O problema da participação da juventude em movimentos sociais e em ações coletivas não se resume aos movimentos tidos como tradicionais. Não apenas nos movimentos sindical e estudantil se verificam as dificuldades de identificação com as organizações e as ações políticas. Importante estudo sobre a militância de jovens nos anos 1990 – período marcado pelo refluxo dos movimentos sociais e extrema despolitização – conclui que mesmo a participação em movimentos novos , mas em um contexto desfavorável, não possui significado emancipatório, chegando mesmo a ser “simples defesa de interesses particulares” (Souza, 1999: 198). São jovens inseridos em uma geração individualista, o que apresenta, por si só, importante limitação para a produção do novo.
Engajados no movimento social, os jovens se valorizam e se apropriam de sua juventude, em um contexto desfavorável para tal, sob a hegemonia do mundo das mercadorias. A opção pelo coletivo nos leva a indagar os limites da “civilização dos negócios”, que marca uma das expressões do globalismo, que comprime o tempo, abreviando a juventude no que tem de sonho e liberdade, prolongando-a no que tem de estilo de vida e de consumo, de falsa liberdade. Mais do que uma despolitização, tal “civilização” politiza para a competição, para o egoísmo (Souza, op. cit., p.201).
A recente emergência da participação popular de jovens, concomitante ao surgimento de atores políticos novos, trazem à tona um estilo de participação alternativa aos padrões institucionais. Isto ocorre num contexto de saturação das instituições tradicionais de representação e organização política (partidos políticos, sindicatos), somado a um contexto cultural no qual há o desejo de não transferir para um futuro distante o sonho de uma sociedade transformada, mas sim tratar de realiza-la na prática da luta cotidiana pela sobrevivência (Kärner, 1987). Ocorre a emergência de canais de participação que acompanham a tendência a cair em reivindicações imediatistas e corporativistas (Offe, 1984, p.370). Trata-se de uma resistência em conformidade com o jogo. Com isso, fundamenta-se a ética do instante, segundo a qual, há a supremacia do carpe diem enquanto aspecto fulcral de uma cultura política baseada no imediatismo (Campos, 2000).
3. Juventude e luta de classes
O papel das lideranças políticas é imprescindível para alterar a correlação de forças na sociedade em relação à disputa de hegemonia sobre a juventude e, conseqüentemente, definir rumos na construção de uma outra sociedade. Para Gramsci, o papel das lideranças políticas que, pela qualidade de suas iniciativas e dos modelos político-culturais que lhes correspondem, podem introduzir as inovações necessárias à fundação da nova sociedade (Moisés, 1995, p.90). Se existe a dominação da indústria cultural, que impõe os códigos e as normas dominantes necessários à manutenção do sistema no qual vivemos (individualismo, consumismo. conformismo), no campo da cultura a luta de classes também deve ocorrer. É esse um dos principais campos de significação para a juventude. E, como afirma Foucault, todo poder provoca resistência.
Trata-se, portanto, de tarefa emergencial para as lideranças políticas transformar esse campo em mecanismo de questionamento, criatividade e ação coletiva. Significa disputa de valores. Os valores do socialismo democrático estão presentes nas greves e nas passeatas. Mas hoje essas ações não são suficientes para conquistar corações e mentes juvenis. O poder midiático e da cultura de massa, a educação voltada para a competitividade, a cotidiana quebra de laços de solidariedade, dentre muitos outros, são ferramentas bastante poderosas e eficazes para a adaptação. As dificuldades para a confrontação nesse campo são imensas.
Por outro lado, está claro que a condição social da juventude, sob nosso ponto de vista, é resultado mais geral da vida na sociedade capitalista. A luta por sua superação, portanto, não pode prescindir de uma profunda identidade de classe. Essa é uma tarefa necessária para um partido de trabalhadores. Ao organizamos as frentes de luta juvenis, sejam elas estudantis, ecológicas, artísticas, sindicais, na execução de políticas públicas, feministas dentre muitas outras, não dissociamos a agenda anti-capitalista.
O terreno da luta pelo socialismo se desenvolve a partir de estratégias que visem a construção de uma nova hegemonia. A busca de uma nova cultura política está associada diretamente a esta construção. Iniciativas de organização de jovens que limitam-se à conformidade do jogo político, mas que não formam gerações novas, pouco contribuem para a resistência e podem até mesmo ser conservadoras. Torna-se resistir para sobreviver.
O pensar sobre a juventude contemporânea deve considerar o contexto e o que ele impõe de significados para os modos de vida e para a cultura política. Essa consideração também deve levar em conta que não se trata de engessamento de uma visão de mundo, pois a cultura não é estática: ela é produzida por homens e mulheres, com capacidades de transfigurá-la, seja para a conservação, seja para a emancipação social. Cabe às organizações políticas que compartilham deste último objetivo potencializar tais capacidades.
A questão que insiste é: o que as organizações políticas conduzidas por jovens e para os(as) jovens têm feito rumo à disputa da hegemonia? Como contribuem para a luta de classes? As repostas precisam, para serem coerentes, corresponder à superação da realidade da juventude brasileira. Distante disso, seremos militantes com a ilusão de que construímos algo, mas não conseguimos mexer o chão no qual pisamos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo (CESIT/Unicamp), assessor político-sindical da CUT Nacional.
[2] Para essa caracterização, utilizo informações organizadas em Campos (2007b).
[3] Recorremos ao conceito de padrão de inserção ocupacional para compreender a situação do jovem trabalhador no Brasil no atual contexto do mercado de trabalho e da política econômica do país. Segundo Pochmann (2000), o padrão de inserção ocupacional do jovem permite identificar as distintas trajetórias da população juvenil, a partir da decisão de ingresso no mercado de trabalho (emprego ou desemprego) ou não (inatividade). Por conta disso, o conceito de padrão de inserção ocupacional é indispensável nas análises sobre a situação da população jovem (p.62)
[4] DIEESE (2006 e 2007), Ribeiro (2007), Pochmann (2007, ), Proni & Ribeiro (2007),
[5] Harvey (2003) define os contornos culturais da vida contemporânea, marcados pelo efêmero e pelo simulacro, como conseqüências da crise do capitalismo, refutando as idéias do surgimento do pós-capitalismo. Essa lógica cultural é, ao mesmo tempo, conseqüência e base de manutenção da dinâmica própria do capitalismo.
[6] Para compreensão do papel dos organismos multilaterais (Banco Mundial, FMI, OMC, OCDE) sobre a formulação de políticas de emprego adequadas ao ajuste neoliberal, ver Gimenez, 2007.
[7] O autor observa o crescimento da marginalização do jovem no mercado de trabalho. Tipifica quatro categorias de desemprego juvenil: de inserção, recorrente, de reestruturação e de exclusão.
[8] É necessário destacar que o empreendendorismo receitado pelo Banco Mundial aos governos nacionais difere-se daqueles tipos de empreendimentos solidários que defendemos como alternativas às relações capitalistas de produção. Para esse organismo internacional, deve-se incentivar a construção de pequenos negócios como alternativa individual ao desemprego. Por razões de espaço, não esboçaremos aqui esse debate.
[9] Ao introduzir o conceito de hegemonia política, Gramsci sugeriu que a formação de um bloco histórico (um modelo político-cultural abrangente pelo qual as elites dirigentes procuram exercer influência e poder na sociedade) começa no terreno das ideologias, ou seja, na esfera em que as classes tomam consciência da sua realidade.
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