Gabriela Palombo
Assessora de Participação Popular
Há algum tempo, a condição juvenil estava sobretudo mediada pelas relações de incorporação à vida adulta e à aquisição da experiência, caracterizando-se a juventude, em certas camadas sociais, como a etapa vital entre a infância e a maturidade, determinada pela vinculação com as instituições de transição ao mundo adulto. Por outro lado, hoje dificilmente se pode negar que os jovens, inclusive os do meio rural, têm-se convertido numa categoria social, interclassista e comum a ambos os sexos, definida por uma condição especifica que demarca interesses e necessidades próprias, desvinculadas da idéia de transição e suas instituições responsáveis. Efetivamente a juventude passa, mas também fica. Um fator, entre outros, que colabora no reconhecimento e validação dessa nova condição juvenil pode ser encontrado na infância que quase desapareceu, encurralada por uma adolescência que desponta muito cedo. E a juventude se prolonga até depois dos 30 anos, o que significa que quase um terço da vida, e um terço da população tem esse rótulo, impreciso e convencional como todos, mas simbolicamente muito poderoso.
O problema da construção da cidadania social entre os jovens não pode ser encarado com perspectivas de encontrar soluções sustentáveis se continuarmos a buscar o conselho técnico, deixando de lado os obstáculos políticos, econômico e sociais. Portanto, a ação política sobre as condições sociais e econômicas deve ser considerada com antecipação e em paralelo às ações técnicas para, dessa forma, assegurar sua plena eficácia.
Isso significa que uma tarefa político libertadora do potencial transformador dos jovens não está na mistificação de mais instituições e programas “salvadores”, ou na eventual outorga de subsídios focalizados, o que apenas faria reestruturar o mecanismo que sustenta o capitalismo – o da renda diferencial – e consolidar a estabilização da sua fonte política no Estado. A tarefa política libertadora está na superação do próprio mecanismo de renda, ao lutar pelo aumento, diversificação, universalização e controle do Gasto Público Social (GPS), até tornar impossível o domínio do capital sobre as condições de sua reprodução. O que se tem hoje é um GPS orientado para a geração de um diferencial de renda, útil aos fins de manter a lei do valor: pouco e para poucos.
Não se pode centralizar e dar exclusividade para a formulação das políticas públicas de juventude aos órgãos institucionais pois, assim, se exclui o sujeito histórico concreto, a juventude, na formulação de suas próprias necessidades. Cabe ao poder público fortalecer os mecanismos de participação popular para que os diferentes segmentos historicamente excluídos de intervenção na vida em sociedade tenham condições, por meio do seu auto-reconhecimento, de identificar suas necessidades e transformá-las em demandas.
O Mapa da Juventude, uma pesquisa que traça o perfil de comportamento do jovem em Araraquara, é fruto de um trabalho pensado, discutido e realizado por jovens. Foi um trabalho que se concretizou graças ao apoio do Centro de Referência do Jovem e do Adolescente, porém, trata-se de uma demanda da participação popular em uma plenária do Orçamento Participativo temática juventude de 2006. Uma comissão composta por jovens eleitos na plenária foi a responsável pela elaboração do Mapa, assim como do Guia de Políticas de Juventude e do Plano Municipal de Juventude. Esse é o processo de participação popular juvenil. Desconsiderar essa iniciativa dos jovens araraquarenses é desvalorizar o processo e, junto com ele, toda a concepção do jovem como sujeito de direitos e protagonista do seu presente e futuro que vem sendo discutida e defendida por nós nos foros de que participamos. (É evidente que especifico aqui a temática juventude, porém o processo de participação popular por meio do Orçamento Participativo contempla, além das plenárias regionais que discutem investimento por região da cidade, as temáticas: mulheres, afrodescendentes, idosos, portadores de deficiência e cidade - desenvolvimento urbano e econômico.)
Um Conselho Municipal de Juventude é o espaço de participação juvenil por excelência na medida em que fiscaliza e delibera sobre as ações no município, assim como formula e dita as diretrizes sobre as políticas públicas de juventude a serem desenvolvidas pelo poder público . Entretanto, um Conselho deve ser fruto da participação direta dos jovens, autônomo e realmente representativo e isso, obviamente, não se consegue, por exemplo, por meio de um requerimento do gabinete da vereadora Juliana Damus para o prefeito. Um Conselho de Juventude deve ser uma demanda legitimada pelos jovens da cidade em espaço específico para essa discussão, como Fórum ou Conferência para que sua atuação tenha peso político nas deliberações que eventualmente venha fazer. E ainda, deve conter as seguintes linhas de ação, no sentido de consolidar sua função institucional, como:
1) Estabelecer redes e alianças com organizações juvenis, partindo de atividades significativas de reconhecimento mútuo, de identificação de problemáticas e recursos, planos de ação comuns e mecanismos de comunicação efetivos.
2) Fomentar o estabelecimento e/ou melhoramento de fundos de apoio às iniciativas de jovens, formas de redistribuição de emprego e serviços especializados que beneficiem diretamente os jovens.
3) Contratação e divulgação de pesquisas sobre a opinião dos jovens acerca de assuntos públicos que os afetam, assim como o debate desses resultados em cenários como os conselhos da cidade.
4) Apoio à tematização crítica das discriminações sociais, políticas e econômicas contra os jovens na sociedade, promovendo campanhas e encontros para incidir na opinião pública, mais especificamente na de adultos altamente significativos para os jovens, como pais de família, professores e empresários.
5) Funcionar como uma espécie de ombudsman dos jovens, identificando e denunciando publicamente feitos e situações contra seus direitos, canalizando reclamações dos jovens e apoiando sua devida atenção por parte dos organismos especializados.
Infelizmente, na contramão daquilo que se busca desenvolver através da participação popular nos rumos das decisões do poder público, emendas de alguns vereadores (as), assim como os seus requerimentos são utilizados, na maioria das vezes, numa perspectiva assistencialista e clientelista do poder Legislativo em troca de favores. Muitos vereadores não têm interesse em desmantelar seus currais eleitorais de graça ou por uma utopia democrática de trazer jovens para participar da política e da direção da cidade. Evidentemente, procura-se todos os meios possíveis de atravancar e impedir que o processo se desenvolva, de modo a torná-lo um fetiche pseudodemocrático.(Veja Emendas para LDO 2008 a ser votada em plenário divulgadas neste jornal dia 17 de junho, que em boa parte se constituem em demandas de manutenção/investimento para o município. Problemas que qualquer cidadão tem o direito e a legitimidade de questionar nos espaços de participação popular sem precisar do favor amigo do vereador).
As ações públicas em favor da afirmação da condição juvenil na sociedade devem estar orientadas à mais ampla cidadanização dos jovens, especialmente os mais pobres, como capacidade de construir objetivos pessoais e coletivos, de comunicar e defender publicamente a legitimidade de seus interesses e necessidades, e de atuar com a plena consciência de seus direitos. Em outras palavras, constituir-se em atores sociais de mudança, com um pensamento crítico, autônomo e emancipador, antes de tudo, frente às suas próprias alienações, começando pela ambígua liberdade que paradoxalmente nos é imposta.
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